segunda-feira, 9 de julho de 2012

Missa Pro Defunctis (XIX)

19. Pie Jesu

Um murmúrio de fogueiras e frésias,
As águas geladas do oceano cobertas de náufragos,
E todas as palavras que tínhamos para dizer
Nubladas por uma fria camada de pó.
De que valem as desculpas, se tudo está consumado?

Não vires para mim o rosto, a cicatriz que o corta
Está longe da infâmia que trazias nos dedos,
Mesmo se deixavas neles vestígios de pão e rosas,
Mesmo se cobrias de pólen todos os crimes
Que havia no hangar do teu coração.

Os frívolos dias com que preenchias primaveras
Escasseiam-te agora. Suplicas ao velho andrajoso
Uma dádiva, a insignificância de uma esmola,
E os teus olhos marejados de água são uma afronta
Aos campos que a morte, com tanto amor, ceifou.

O dia apagou-se, a noite cerrada no escuro
De um quarto, tudo sempre mais negro,
A luz deglutida por um cardume de piranhas,
Sol e estrelas apagando-se no éter.
Um relógio de parede ecoa na sombra do céu.

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Missa Pro Defunctis é um ciclo de poemas escrito em Setembro e Outubro de 2011. É constituído por 21 poemas e pretende ser uma meditação poética sobre a nossa situação actual, meditação que acompanha a estrutura de um Requiem na tradição religiosa católica. Será publicado integralmente neste blogue nos próximos tempos, embora sem periodicidade diária ou qualquer outra.

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