sábado, 7 de julho de 2012

Missa Pro Defunctis (XVIII)


18. Communio: ii. Requiem æternam

Dura a maratona, o atleta está cansado.
A noite chegou suspensa numa grua,
Alugada em taberna perdida na rua.
A cadência da eternidade é leve e suave,
Um deslizar de nuvens no naufrágio do céu,
E o atleta, embalado, vai, montes e vales,
Corre perfeito, um relógio enfastiado.

Dura a maratona, o atleta está adormecido.
Embalado na pétala de uma rosa, sonha,
Num sono ingénuo e levemente distorcido.
Correu por ruas e praças, oceano e mar,
E entre sorrisos e graças foi mordido pela dor,
Vinda do corpo lesto e brando,
E de tanto correr adormeceu ao luar.

Dura a maratona, o atleta terá morrido.
Vai envolto em bandeira e no desfile todos correm
Ao som exacto e sereno da última carpideira.
Apressam o passo, a eternidade espera-o contente,
E levam-no, um santo no andor.
Vai tonto e cansado, feliz, enamorado,
No pódio não terá concorrente.

Dura a maratona, o atleta terá embarcado.
A velha mão de Caronte vai tranquila
Pelas águas sujas e sombrias daquele rio
Sem nome, chamaram-lhe Aqueronte.
Não mais a maratona cansará o atleta,
Apenas as pernas rodam e rodopiam,
Em vez de correr vai de bicicleta.

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Missa Pro Defunctis é um ciclo de poemas escrito em Setembro e Outubro de 2011. É constituído por 21 poemas e pretende ser uma meditação poética sobre a nossa situação actual, meditação que acompanha a estrutura de um Requiem na tradição religiosa católica. Será publicado integralmente neste blogue nos próximos tempos, embora sem periodicidade diária ou qualquer outra.

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