A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
À primeira vista a desconfiança generalizada das pessoas na classe
política é sintoma da doença que corrói as instituições políticas e a vida em
comunidade. O facto de cada vez mais cidadãos se indignarem com os detentores
do poder e de se alhearem da res publica
tem todas as características de um estado patológico da cidadania. No entanto,
não devemos olhar para esta atitude de uma forma meramente reactiva. Devemos
perguntar pelo seu significado mais profundo.
A leitura corrente sublinha os perigos e malefícios da indignação e
alheamento populares relativamente à vida política. Existem alguns perigos,
nomeadamente o de se criar um ambiente propício ao crescimento do populismo e
de soluções extremistas e autoritárias. No entanto, a desconfiança que se
generaliza relativamente à classe política é sintoma de uma outra coisa, de uma
coisa de elevado valor moral.
O desencanto das pessoas é o reverso das sua aspirações a uma
sociedade justa, bem organizada, sem corrupção nem compadrio. Esse desencanto
nasce do confronto com aqueles que, usando o poder, destruíram o sentido da
justiça, da equidade, do reconhecimento do mérito, destruíram, em conformidade
com interesses particulares, o ambiente moral onde a generalidade dos cidadão
ambiciona viver.
Alguns, comprometidos com os partidos políticos fora do arco do poder,
apresentam esses partidos como uma verdadeira alternativa ao actual estado de
coisas. Contudo, a experiência feita no século XX e já no XXI exige uma outra
abordagem do problema. Exige ao mesmo tempo o reforço da cidadania independente
da esfera do poder e a limitação cada vez maior do poder e daqueles que o
detêm. Não basta substituir uma elite política por outra. A alternativa não
está aí. Por que motivo uma nova elite política seria diferente da anterior?
A questão central é o do reforço da atitude crítica dos cidadãos, da
sua organização livre fora da tutela política, e de um esforço contínuo para
limitar apenas ao que é essencial a acção das elites políticas. O poder, como
sublinhava Paul Ricœur, é o lugar do mal. Quanto maior for o campo de acção
desse poder, maior a possibilidade do mal crescer. Por isso, seja quem for que
o detenha, tem de ser limitado, cada vez mais limitado, tanto no tempo de
presença nos órgãos executivos como no âmbito das suas prerrogativas e
capacidades de agir. É esta aprendizagem que estamos a começar a fazer, uma
aprendizagem que visa aumentar a independência das pessoas perante o poder e,
ao mesmo tempo, a exigência de uma cada vez maior limitação deste.
Não querendo desenvolver, constantemente, uma atitude pessimista do estado das coisas a sua crónica chama o meu íntimo deprimido, sintoma do estado patológico da cidadania. Não querendo enovelar estes sintomas, o certo é que não consigo deixar de me questionar sobre qual o caminho para o reforço da cidadania. O caminho parece-me difícil, estreito, pedregoso! Com os cortes a que assistimos na educação… Onde está o espaço para ensinar a pensar? Estarão as escolas capazes de reforçar a cidadania? Com tais interrogações maior fica a minha indignação. (Adorei a sua crónica. Parabéns por mais um excelente texto!)
ResponderEliminarMuito obrigado. Talvez a experiência social ajude as pessoas a pensar. Duvido que a escolaridade faça as pessoas reflectir. São muitos anos a lidar com alunos e com professores para me darem alguma ilusão sobre isso. A escolaridade e a formação são importantes, mas não chegam. A confrontação com a realidade ensina mais num dia do que dois cursos superiores. Veremos o que vai acontecer.
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