sexta-feira, 13 de julho de 2012

Limitar o poder



À primeira vista a desconfiança generalizada das pessoas na classe política é sintoma da doença que corrói as instituições políticas e a vida em comunidade. O facto de cada vez mais cidadãos se indignarem com os detentores do poder e de se alhearem da res publica tem todas as características de um estado patológico da cidadania. No entanto, não devemos olhar para esta atitude de uma forma meramente reactiva. Devemos perguntar pelo seu significado mais profundo.

A leitura corrente sublinha os perigos e malefícios da indignação e alheamento populares relativamente à vida política. Existem alguns perigos, nomeadamente o de se criar um ambiente propício ao crescimento do populismo e de soluções extremistas e autoritárias. No entanto, a desconfiança que se generaliza relativamente à classe política é sintoma de uma outra coisa, de uma coisa de elevado valor moral.

O desencanto das pessoas é o reverso das sua aspirações a uma sociedade justa, bem organizada, sem corrupção nem compadrio. Esse desencanto nasce do confronto com aqueles que, usando o poder, destruíram o sentido da justiça, da equidade, do reconhecimento do mérito, destruíram, em conformidade com interesses particulares, o ambiente moral onde a generalidade dos cidadão ambiciona viver.

Alguns, comprometidos com os partidos políticos fora do arco do poder, apresentam esses partidos como uma verdadeira alternativa ao actual estado de coisas. Contudo, a experiência feita no século XX e já no XXI exige uma outra abordagem do problema. Exige ao mesmo tempo o reforço da cidadania independente da esfera do poder e a limitação cada vez maior do poder e daqueles que o detêm. Não basta substituir uma elite política por outra. A alternativa não está aí. Por que motivo uma nova elite política seria diferente da anterior?

A questão central é o do reforço da atitude crítica dos cidadãos, da sua organização livre fora da tutela política, e de um esforço contínuo para limitar apenas ao que é essencial a acção das elites políticas. O poder, como sublinhava Paul Ricœur, é o lugar do mal. Quanto maior for o campo de acção desse poder, maior a possibilidade do mal crescer. Por isso, seja quem for que o detenha, tem de ser limitado, cada vez mais limitado, tanto no tempo de presença nos órgãos executivos como no âmbito das suas prerrogativas e capacidades de agir. É esta aprendizagem que estamos a começar a fazer, uma aprendizagem que visa aumentar a independência das pessoas perante o poder e, ao mesmo tempo, a exigência de uma cada vez maior limitação deste.

2 comentários:

  1. Não querendo desenvolver, constantemente, uma atitude pessimista do estado das coisas a sua crónica chama o meu íntimo deprimido, sintoma do estado patológico da cidadania. Não querendo enovelar estes sintomas, o certo é que não consigo deixar de me questionar sobre qual o caminho para o reforço da cidadania. O caminho parece-me difícil, estreito, pedregoso! Com os cortes a que assistimos na educação… Onde está o espaço para ensinar a pensar? Estarão as escolas capazes de reforçar a cidadania? Com tais interrogações maior fica a minha indignação. (Adorei a sua crónica. Parabéns por mais um excelente texto!)

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    1. Muito obrigado. Talvez a experiência social ajude as pessoas a pensar. Duvido que a escolaridade faça as pessoas reflectir. São muitos anos a lidar com alunos e com professores para me darem alguma ilusão sobre isso. A escolaridade e a formação são importantes, mas não chegam. A confrontação com a realidade ensina mais num dia do que dois cursos superiores. Veremos o que vai acontecer.

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