quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Meditações dialécticas (20) Afinal era só isto?

Pat Steir - Abstraction, Belief, Desire (1981)

Sempre a realização de tudo o que desejei com ardor me deu uma impressão desoladora. A pergunta: Afinal era só isto? - parece gravar-se como um espinho, cada vez mais fundo, cada vez mais fundo, sempre que uma aspiração se transforma em realidade. (Maria Lamas, Para Além do Amor - 1935)

O "Afinal era só isto?", que segue a realização do mais intenso desejo, será apenas a manifestação da frustração desolada da personagem feminina e burguesa do romance de Maria Lamas ou terá um valor universal e revelará uma experiência humana fundamental? Mais do que a condição feminina e de classe, o que o texto de Maria Lamas revela é uma estrutura central da experiência humana. A desmedida entre o desejo e aquilo que se oferece para o saciar é de tal ordem que, mais tarde ou mais cedo, o objecto desejado se transforma em pura desolação. Dito de outra maneira, o desejo humano é infinito mas os seus objectos são finitos. A desolação ou o tédio - o "Afinal era só isto?" - nascem dessa experiência eterna do nosso desejo, experiência marcada pela decepção de quem procura o infinito naquilo que é meramente finito.  Talvez a solução seja ainda uma solução hegeliana. Se o meu desejo é infinito, então só o desejo infinito do outro me poderá não decepcionar. Mas quem foi educado para desejar não o seu desejo mas o desejo do outro?

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