A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Quem com ferros mata, com ferros morre. O recurso a este velho
provérbio deve-se a José Sócrates. Quando chegou ao poder, a primeira coisa que
fez foi arranjar bodes expiatórios. Começou pelos juízes, mas estes não se
prestam para vítimas sacrificiais. São poderosos e, por algum estranho acaso,
os políticos temem-nos. Dos juízes, Sócrates passou para os professores. O
professorado não superior é um grupo social que, à partida, ninguém teme e
presta-se mesmo para ser imolado. Desprezados pelos de cima, invejados pelos de
baixo, os professores foram o bombo da festa nas mãos de Sócrates e da ministra
da altura. Fez-se de tudo para os humilhar e desprestigiar aos olhos do
público. Sócrates pensou neles como os bodes expiatórios perfeitos, cujo
sacrifício redimiria a pátria e traria a glória à sua governação.
Corrido da governação, Sócrates parece agora não gostar de se ver como
o bode expiatório das actuais políticas. Eu percebo-o bem, mas ele (e a função
pública, claro) apenas está a ser vítima de uma estratégia que ele usou
cruelmente. Sejamos claros. O que se está a passar, a crise terrível que nos
assola, o défice que não pára de crescer, a austeridade sem fim, a impotência
da nossa economia, nada disso tem José Sócrates como o único ou mesmo o
principal responsável. Esquecer a terrível crise do subprime nos EUA, em 2008, e o seu impacto posterior nas
crises da Europa do Sul é intelectualmente desonesto. Como não é honesto
atribuir responsabilidades a Sócrates por aquilo que nos foi imposto pela União
Europeia. Convém ao governo manter a ficção da culpa última e única de
Sócrates. Ele terá as suas responsabilidades, mas as que lhe atribuem são
exageradas e ficcionais. É utilizar um bode expiatório para justificar o
rotundo falhanço do actual governo.
Isto não significa que eu absolva Sócrates. Ele não o merece. E não o
merece porque foi ele que inaugurou, nos tempos recentes, a política fundada em
bodes expiatórios. Quando uma comunidade chega a esse patamar, podemos perceber
o grau de degradação cívica que se atingiu. Eleger bodes expiatórios significa
isolar indivíduos ou grupos para serem perseguidos pelo todo. Significa também
mostrá-los como vítimas sacrificiais que devem ser imoladas para conjurar os
males que nos assolam. Uma política baseada em bodes expiatórios significa que
se abandonou o uso da razão e se confia o destino da comunidade ao pensamento
mágico. E este é o problema. Desde Sócrates que somos governados não pela razão
mas por crenças e poderes mágicos. O desastre está aí para o provar.
Não podia concordar mais. Excelente texto, de resto.
ResponderEliminarMuito obrigado.
EliminarSócrates acabou por ser o criador da criatura que hoje é e ao que tudo indica vai criar uma nova criatura partir desta.
ResponderEliminarUm abraço
Terá ainda força para uma nova criação? Veremos.
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