José Cascada - Jogo de Futebol
Nunca pensamos suficientemente os fenómenos quotidianos para lhes apreendermos os laços e as consequências que trazem dentro de si. Tomemos, por exemplo, o caso dos canais de notícias da televisão por cabo. O essencial desses canais, para além dos noticiários, reside na análise e no debate políticos e, de forma análoga, na análise e debate do futebol. Aparentemente, nada disto parece problemático, pois os fenómenos políticos e futebolísticos são geradores de grande interesse por parte da população e fabricam grande quantidade de informação.
Se pensarmos na sua contiguidade nos mesmo sítios informativos, com programas com um design idêntico, descobrimos uma inusitada relação. Durante muito tempo, nomeadamente à esquerda, havia a convicção de que o futebol era usado como uma forma de alienar os cidadãos, de os tornar estranhos ao fenómeno político através do entretenimento. Esta visão ingénua, que ainda hoje tem os seus adeptos, está longe de explicar a complexidade do fenómeno. A contiguidade entre política e futebol acaba por reforçar ambos os fenómenos.
Ao partilhar o espaço e os modelos informativos e de debate da política, o futebol é contaminado por aquilo que a política tem de essencial para a vida dos homens. Desse modo, o futebol vê o seu estatuto social e a sua respeitabilidade aumentados. Não é um mero jogo onde vinte e dois rapazolas perseguem uma bola para a enfiar numas redes. Não é, numa leitura mais funda, uma mera cerimónia litúrgica dirigida à apaziguação dos instintos mais selvagens do homem, através do confronto mágico e ritual de dois bandos adversários.
A contaminação, porém, não se dá apenas num sentido. Também o futebol contamina a política. A consequência dessa invasão é, muito provavelmente, mais funda do que a anterior. A contiguidade entre ambos os fenómenos permite desracionalizar o conflito político. A adesão a um clube de futebol não obedece a uma decisão racional do adepto. A identificação com um clube é um assunto que nada tem a ver com os interesses sociais e com a racionalidade dos agentes. O conflito político lido à luz do conflito futebolístico perde a sua racionalidade e transmite duas ideias. Em primeiro lugar, não há uma racionalidade, fundada nos interesses, para ser do partido A ou do B. Em segundo lugar, se essa racionalidade não existe, a identificação mais espontânea é com aqueles que são mais fortes. Esta contaminação conduz, então, ao reforço do poder.
Mais estrutural do que esta contaminação é a que resulta da transferência de uma mentalidade mítico-mágica - alicerçada na paixão clubista - para o campo da racionalidade política. O cidadão adere por paixão ao seu grupo partidário. E assim como o adepto de futebol é incapaz de ser imparcial na avaliação do desempenho da sua equipa ou dos árbitros, também o cidadão se deixa acorrentar pela paixão política, pondo de lado o exame crítico e tomando a defesa irracional do seu grupo, muitas vezes contra os seus próprios interesses. O futebol não faz tudo isto, mas ajuda a fazer, contaminando a política e enfeitiçando o conflito político.
Se pensarmos na sua contiguidade nos mesmo sítios informativos, com programas com um design idêntico, descobrimos uma inusitada relação. Durante muito tempo, nomeadamente à esquerda, havia a convicção de que o futebol era usado como uma forma de alienar os cidadãos, de os tornar estranhos ao fenómeno político através do entretenimento. Esta visão ingénua, que ainda hoje tem os seus adeptos, está longe de explicar a complexidade do fenómeno. A contiguidade entre política e futebol acaba por reforçar ambos os fenómenos.
Ao partilhar o espaço e os modelos informativos e de debate da política, o futebol é contaminado por aquilo que a política tem de essencial para a vida dos homens. Desse modo, o futebol vê o seu estatuto social e a sua respeitabilidade aumentados. Não é um mero jogo onde vinte e dois rapazolas perseguem uma bola para a enfiar numas redes. Não é, numa leitura mais funda, uma mera cerimónia litúrgica dirigida à apaziguação dos instintos mais selvagens do homem, através do confronto mágico e ritual de dois bandos adversários.
A contaminação, porém, não se dá apenas num sentido. Também o futebol contamina a política. A consequência dessa invasão é, muito provavelmente, mais funda do que a anterior. A contiguidade entre ambos os fenómenos permite desracionalizar o conflito político. A adesão a um clube de futebol não obedece a uma decisão racional do adepto. A identificação com um clube é um assunto que nada tem a ver com os interesses sociais e com a racionalidade dos agentes. O conflito político lido à luz do conflito futebolístico perde a sua racionalidade e transmite duas ideias. Em primeiro lugar, não há uma racionalidade, fundada nos interesses, para ser do partido A ou do B. Em segundo lugar, se essa racionalidade não existe, a identificação mais espontânea é com aqueles que são mais fortes. Esta contaminação conduz, então, ao reforço do poder.
Mais estrutural do que esta contaminação é a que resulta da transferência de uma mentalidade mítico-mágica - alicerçada na paixão clubista - para o campo da racionalidade política. O cidadão adere por paixão ao seu grupo partidário. E assim como o adepto de futebol é incapaz de ser imparcial na avaliação do desempenho da sua equipa ou dos árbitros, também o cidadão se deixa acorrentar pela paixão política, pondo de lado o exame crítico e tomando a defesa irracional do seu grupo, muitas vezes contra os seus próprios interesses. O futebol não faz tudo isto, mas ajuda a fazer, contaminando a política e enfeitiçando o conflito político.
Excelente análise.
ResponderEliminarReconheço que o amor clubistico, sublimado no futebol -não é o meu caso-, é uma deriva pouco racional, na área dos afectos. Creio mesmo que, com poucas excepções, bem localizadas, se sobrepõe à fidelidade partidária.
Entendo que, apesar de tudo, é possível manter alguma serenidade e seriedade na análise, daí que, relativamente a alguns preopinantes que por aí abundam, reitere que há muito deixei de dar para a quermesse da arrogância ridícula dos intelectualóides, da ignorância "frustracional" dos idiotas e da demagogia de pacotilha dos "inconseguidos".
Um abraço
Em si mesmo, o desporto de massas - no caso da Europa, o futebol -, apesar da irracionalidade da adesão a um dos clubes, nada tem de negativo. Preenche uma necessidade social e talvez mais do que social, mas a subtil contaminação da política pela perspectiva futebolística é particularmente negativa. O futebol é um lugar de paixões, a política não o deve ser.
EliminarAbraço