August Macke - Despedida (1914)
Devido ao golpe das Caldas e à aproximação de 1.º de Maio havia algum alvoroço entre o grupo de jovens oposicionistas a que estava ligado. Na noite de 24 de Abril de 1974, fui, como a generalidade das pessoas que pertenciam ao grupo, ao cinema. Era um filme de origem soviética, Djamilia, mas que não parecia ter qualquer implicação política. Nunca mais o vi e não me lembro do seu conteúdo. Recordo-me apenas da saída do cinema, dos olhares cúmplices, da troca sussurrada de palavras. Alguns do grupo - não eu que já tivera a minha tarefa de distribuição de propaganda clandestina noites antes - tinham para essa noite agendada umas pinturas de paredes alusivas ao 1.º de Maio. Depois dessas conversas, fui para casa dormir. Não fazia a mínima ideia do que se ia passar nem tão pouco desconfiava que me tinha despedido do Estado Novo naquela ida ao cinema. A ditadura morria ali e eu nem notara quão grave era já o seu estado de saúde. O mais espantoso foi ter-me deitado em plena ditadura, temeroso da polícia política, e ter acordado, no outro dia, num país livre. Foi como se estivesse no Natal e acordasse no dia 25 para encontrar, por intervenção do Pai Natal, uma bela prenda no meu pobre sapato. Na verdade, os militares foram para todos nós uma espécie de Pai Natal. Ofereceram-nos a liberdade e o fim da guerra colonial como se fôssemos crianças, da noite para o dia. Parece-me, ainda hoje, um conto de fadas.
Mal sabiamos nós que seria esse o dia, há muito adivinhado, a que se seguiria a madrugada mágica que pôs fim à longa noite da ignomínia.
ResponderEliminarUm abraço
Para mim, foi uma autêntica surpresa.
EliminarAbraço