Julio Gómez Biedma - Conflicto de intereses
Por norma, os políticos têm tendência para reduzir o discurso a um conjunto insípido de lugares comuns. Cavaco Silva, porém, é magistral no cultivo da banalidade. Esse não é, porém, o mal maior presente nas arengas do actual Presidente da República. Transparece sempre nas suas palavras uma relação muito difícil com a democracia. Mais uma vez, no discurso do 25 de Abril, perorou contra a crispação e o conflito na vida política.
Uma democracia viva precisa de crispação e de conflito político. Sem eles, a democracia não é necessária. Se todos estamos de acordo, se não há entre nós conflitos, então não vale a pena a existência de vários partidos políticos nem de uma democracia. Cavaco Silva sempre achou que o melhor era pensar que havia um interesse único e que as divergências e conflitos políticos seriam devidos ou a uma errónea interpretação da realidade ou, no pior dos casos, à má vontade dos agentes políticos.
A democracia é o regime que reconhece a existência de diferentes interesses, reconhece e valoriza o conflito, desde que seja jogado dentro de regras previamente definidas. Tirando o governo no seu habitual choque com as regras constitucionais, não vislumbro quem, conflituando com as políticas governamentais, não aceite as regras da nossa democracia. O Presidente da República acha que o essencial na democracia é acessório ou mesmo prejudicial. A perspectiva do Presidente não é apenas uma falsificação da realidade. É um sintoma da sua dificuldade estrutural em lidar com a vida democrática.
Provavelmente estou a repetir-me, mas o indivíduo provoca-me brotoeja e eu não estou com muita vontade de me coçar, enquanto penso em alinhavar um comentário:
ResponderEliminarhttp://bonstemposhein-jrd.blogspot.pt/2012/03/caras-e-carantonhas.html
Um Abraço
Infelizmente, a a cara dele vai fica na história. Dez anos Primeiro-Ministro, dez anos de Presidente da República, mais o tempo como ministro das Finanças do Sá Carneiro. Na história tem um lugar. Falta é saber o tipo de lugar que lhe cabe.
EliminarAbraço
A dificuldade de Cavaco é antes de mais existencial, a vida é tensão, é equilíbrio entre claro e escuro, bem e mal, certo e errado, necessidade e desejo, luta e paz.
ResponderEliminarCavaco falha como ser humano, os consensos tal como os equilíbrios são momentos resultantes de longas tensões.
É possível que seja uma dificuldade existencial, mas a pessoa Cavaco, confesso, não me interessa. Mas já me interessa o actor político Cavaco e a forma como configura a vida política do país, independentemente da raiz dessa configuração.
EliminarCéus, a pessoa Aníbal também não me interessa, no entanto a natureza das suas impossibilidades tem consequências trágicas na forma como conduz e condiciona a política portuguesa há demasiado tempo.
EliminarEstava-me a referir a um outro aspecto. Por norma, olho para a acção política como para um texto, um romance, por exemplo. E leio o romance como se não se soubesse quem foi o autor. Desligo a trama da biografia do autor. É a minha dívida em relação a Paul Ricoeur, que me ensinou essas duas coisas: a acção pode ser lida como um texto e a obra deve ser lida como se nada se soubesse da pessoa que a criou. Era a isto que me estava a referir. Uma opção, bastante discutível e discutida, aliás.
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