sexta-feira, 25 de abril de 2014

O dia 25 de Abril



Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo (Sophia Breyner Andresen). Só a poesia pode dizer o que foi o dia 25 de Abril. Esse dia encerra nele uma irrevogável ambiguidade. Foi, ao mesmo tempo, um dia de suprema consumação política e o único dia verdadeiramente não político da nossa história recente. Esta ambiguidade só é captável pela linguagem poética. É por isso que vou falar dele a partir do poema que melhor nos diz o seu sentido.

Esta é a madrugada que eu esperava. O dia 25 de Abril está contaminado pelo passado, não o passado político do regime ditatorial, mas pela esperança dos que se lhe opunham. Ele é a resposta ao princípio de esperança que animou, ao longo de 48 anos, muitos portugueses e que, apesar dos meus 17 anos, me animava também a mim. Esperava-se o fim de um tempo e de um mundo. Esperava-se a hora a que passaríamos a ter uma existência normal de um povo adulto e senhor do seu destino.

O dia inicial inteiro e limpo. Este é o verso que expressa a ambiguidade solar do dia 25 de Abril. Foi um dia de acção política? Sim, claro que foi. Ao mesmo tempo, porém, foi um dia inteiro e limpo, isto é, um dia onde as clivagens foram ultrapassadas, um dia em que ainda não se sabia dos futuros conflitos. Desse ponto de vista, o dia 25 de Abril foi um dia imaculado e apolítico, pois aniquilou uma história negra e ainda nada sabia da história a vir. Foi um dia inicial, um começo onde múltiplos caminhos eram possíveis, mas que ainda nenhum deles estava decidido. O mundo abria-se puro diante de nós.

Onde emergimos da noite e do silêncio. As metáforas noite e silêncio quase não precisam de comentário. Retratam o país de onde saímos. São uma visão fotográfica da ditadura, onde a luz e a palavra tinham sido confiscadas aos portugueses. Nesse dia, descobrimos que podíamos ver e falar. Nesse dia renascemos inteiros como povo.

E livres habitamos a substância do tempo. Este é o verso mais terrível de todo o poema. A substância do tempo é a história, e esta é o lugar dos conflitos. Mas, talvez pela primeira vez, vamos ser confrontados com essa história a partir da liberdade. A história é o que vem depois desse dia, mas agora, para o bem e para o mal, somos livres, isto é, adultos e responsáveis por ela.

O que foi o dia 25 de Abril? Foi o dia da esperança, da pureza, do renascimento, da liberdade e da responsabilidade. Foi o dia da emancipação de um povo, o dia inicial inteiro e limpo.

6 comentários:

  1. Concordo...lembra-me uma conversa recente...:)

    Esse espírito está vivo, presenciei-o há pouco no largo do Carmo...

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    1. Sim, de certa maneira esse espírito está vivo. Há, porém, outros espíritos - diria mesmo maus espíritos - vivos, demasiado vivos. Isso, porém, fica para o artigo da semana que vem. Vivamos cada dia com o seu bem ou o seu mal. Hoje é um dia pleno de bem.

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  2. Há que combater esses maus espíritos, muitos e poderosos, com o «dia inicial inteiro e limpo». Acordei esta manhã com as palavas de Sophia de Mello Breyner Andresen, palavra. Carpe diem, mas com vontade de combater o mal.

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  3. O dia inicial inteiro e limpo que emergiu prenhe de promessas de novos dias. Alguns nasceram livres na substância do tempo, outros nem tanto.
    Bom 25 de Abril
    Um abraço

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    1. Há alguns - talvez muitos - para quem a liberdade é radicalmente estranha.

      Abraço

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