A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Esta é a madrugada que eu
esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do
silêncio / E livres habitamos a substância do tempo (Sophia Breyner
Andresen). Só a poesia pode dizer o
que foi o dia 25 de Abril. Esse dia encerra nele uma irrevogável ambiguidade.
Foi, ao mesmo tempo, um dia de suprema consumação política e o único dia
verdadeiramente não político da nossa história recente. Esta ambiguidade só é
captável pela linguagem poética. É por isso que vou falar dele a partir do
poema que melhor nos diz o seu sentido.
Esta é a madrugada que eu
esperava. O dia 25 de Abril está contaminado pelo passado, não o passado
político do regime ditatorial, mas pela esperança dos que se lhe opunham. Ele é
a resposta ao princípio de esperança que animou, ao longo de 48 anos, muitos
portugueses e que, apesar dos meus 17 anos, me animava também a mim. Esperava-se
o fim de um tempo e de um mundo. Esperava-se a hora a que passaríamos a ter uma
existência normal de um povo adulto e senhor do seu destino.
O dia inicial inteiro e limpo.
Este é o verso que expressa a ambiguidade solar do dia 25 de Abril. Foi um dia
de acção política? Sim, claro que foi. Ao mesmo tempo, porém, foi um dia inteiro e limpo, isto é, um dia onde as clivagens foram ultrapassadas, um dia
em que ainda não se sabia dos futuros conflitos. Desse ponto de vista, o dia 25
de Abril foi um dia imaculado e apolítico, pois aniquilou uma história negra e
ainda nada sabia da história a vir. Foi um dia inicial, um começo onde
múltiplos caminhos eram possíveis, mas que ainda nenhum deles estava decidido.
O mundo abria-se puro diante de nós.
Onde emergimos da noite e do
silêncio. As metáforas noite e silêncio quase não precisam de
comentário. Retratam o país de onde saímos. São uma visão fotográfica da
ditadura, onde a luz e a palavra tinham sido confiscadas aos portugueses. Nesse
dia, descobrimos que podíamos ver e falar. Nesse dia renascemos inteiros como
povo.
E livres habitamos a substância
do tempo. Este é o verso mais terrível de todo o poema. A substância do
tempo é a história, e esta é o lugar dos conflitos. Mas, talvez pela primeira
vez, vamos ser confrontados com essa história a partir da liberdade. A história
é o que vem depois desse dia, mas agora, para o bem e para o mal, somos livres,
isto é, adultos e responsáveis por ela.
O que foi o dia 25 de Abril? Foi o dia da esperança, da pureza, do
renascimento, da liberdade e da responsabilidade. Foi o dia da emancipação de
um povo, o dia inicial inteiro e limpo.
Concordo...lembra-me uma conversa recente...:)
ResponderEliminarEsse espírito está vivo, presenciei-o há pouco no largo do Carmo...
Sim, de certa maneira esse espírito está vivo. Há, porém, outros espíritos - diria mesmo maus espíritos - vivos, demasiado vivos. Isso, porém, fica para o artigo da semana que vem. Vivamos cada dia com o seu bem ou o seu mal. Hoje é um dia pleno de bem.
EliminarHá que combater esses maus espíritos, muitos e poderosos, com o «dia inicial inteiro e limpo». Acordei esta manhã com as palavas de Sophia de Mello Breyner Andresen, palavra. Carpe diem, mas com vontade de combater o mal.
ResponderEliminarUm dia inicial inteiro e limpo contra assombrações.
EliminarO dia inicial inteiro e limpo que emergiu prenhe de promessas de novos dias. Alguns nasceram livres na substância do tempo, outros nem tanto.
ResponderEliminarBom 25 de Abril
Um abraço
Há alguns - talvez muitos - para quem a liberdade é radicalmente estranha.
EliminarAbraço