Rafael - A Filosofia (1508-1511)
Recuperação de textos do meu antigo blogue averomundo, retirado de circulação. Este texto pertence a uma série
denominada cadernos do esquecimento. Texto
de 20.11.2009.
Há um momento (61 b), logo no início do diálogo Fédon, de Platão,
que Sócrates diz «que o poeta, para ser verdadeiramente poeta, deve criar
ficções e não argumentos». Subentende-se que sendo ele filósofo criaria
argumentos. Há nesta clivagem entre a produção de argumentos e a de ficções um
equívoco que persiste há demasiados séculos. Os argumentos não passam de
ficções, as ficções que os filósofos foram utilizando ao longo da história da
filosofia. A filosofia faz parte da história da literatura e não passa de um
longo e sofisticado exercício de retórica. Por vezes estamos perante boa
literatura, outras perante algo insuportavelmente insípido. Platão acusava os
poetas de serem mentirosos ao produzirem ficções. A verdade é que Platão
dissimulava, mentia, enganava. Fazia-o genialmente, como Nietzsche, ou Hegel, ou
qualquer filósofo que valha a pena ler. Quanto mais mente e ficcionaliza
um filósofo, mais vale a pena ser lido (os outros, nem de mentir são capazes).
Platão não enganava quando ficcionalizava o mundo inteligível, ou construía
mitos, mas quando pretendia que os argumentos demonstravam o quer que fosse.
Como é que a pobre razão humana tem a pretensão de que uma cadeia lógica entre
teses e argumentos justifique alguma coisa? Devemos então deixar de argumentar?
Não, por uma questão estética e de coexistência pacífica. É menos desagradável
argumentar do que matar-nos uns aos outros, mas só isso. Para além da
argumentação está a vida com a sua exuberância, o seu mistério, o seu carácter
absolutamente insondável. Perante esse buraco negro, as pretensões da argumentação
são um exercício absurdo de cobardia. O medo da escuridão leva-nos a
exorcizá-la, a argumentação é a reza e o esconjuro usados.
Numa breve deriva sobre o nosso Nobel, poderemos dizer que todos nós gostamos de argumentar, só que uns sabem outros não.
ResponderEliminarUm abraço
Uns sabem ficcionalizar outros não.
EliminarAbraço