A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Pertenço a uma estranha geração. Aos treze, catorze, quinze anos
enchia as paredes do quarto com os pósteres da Fórmula 1, com os Tyrrell, os
Lotus, os Ferraris, os Brabhan, os BRM ou os March que desfilavam pelo circo do
início dos anos 70. Muitos de nós, porém, aos dezassete ou dezoito anos tinham
substituído os fórmulas 1 pelos circunspectos retratos de novos ídolos, gente mais
séria e fatal. Quem, como eu, foi maoísta, na sequência do 25 de Abril de 1974,
não poderia deixar de ter exposto, na parede do quarto, esses novos deuses,
Marx, Engels, Lenine, Estaline e Mao-Tse-Tung, os cinco magníficos cavaleiros
da revolução ou do apocalipse. Esta troca de pósteres não foi um acidente
pessoal. Correspondeu a um movimento geracional. Hoje em dia, em que a Fórmula
1 e os cavaleiros da revolução pouco me interessam, pergunto-me como é que a
visão burguesa subjacente à paixão pelo automobilismo se metamorfoseou num
radicalismo pró-proletário e numa visão política de aparência revolucionária?
Dizer que foi o 25 de Abril é não dizer nada. O 25 de Abril
possibilitou a expressão desse radicalismo, mas muitos já estavam radicalizados antes. Estou convencido que, se Portugal se tivesse democratizado
a seguir ao final da segunda guerra mundial, a generalidade dos esquerdistas
nunca teria assumido posições políticas radicais. Provavelmente, muitos nunca
teriam sequer militado politicamente. A militância política implica uma forma
de estar e de compreender o mundo que choca com um certo espírito de
independência e de liberdade que marcam a juventude. Isso foi-se tornando
visível ao longo dos anos de democracia. A política atrai agora um grupo
restrito de jovens, que, na generalidade, vêem nela uma espécie de carreira.
Mas o factor central que conduziu uma geração a trocar de pósteres,
colocar os teóricos e práticos do marxismo no lugar dos ídolos da Fórmula 1,
foi a guerra colonial. Por volta dos quinze ou dezasseis anos, os rapazes
confrontavam-se, num horizonte nada longínquo, com a possibilidade de ir
combater e morrer em África. Este facto criou em muitos de nós uma consciência
política que não teria sido possível de outra maneira. Quem viveu esses tempos
compreende facilmente como essa preocupação da parte masculina da juventude se
transmitia facilmente à parte feminina. Foi o negro e inescapável horizonte da
guerra que levou uma geração a questionar a ordem política, moral, social e
económica do país. Foi a incompreensibilidade do conflito que radicalizou
jovens sossegados e pacíficos. Foi o peso simbólico das armas que levou uma
geração a trocar de pósteres.
Eu, que sou ligeiramente mais antigo, não andei pela fórmula um, nem senti a atracção chinesa, a praia que escolhi foi encontrada sob outras pedras.
ResponderEliminarNa minha grelha, iniciada por volta dos catorze anos, a pole position era o póster do Che (que ainda hoje guardo) no compartimento das memórias.
Bom fim-de-semana
Um abraço
Era uma aficionado da fórmula 1, do Jackie Stewart (sempre contra os pilotos brasileiros, de quem o pessoal por cá era fanático). Entre a fórmula 1 e a política, a fazer a mediação, esteve uma paixoneta pelo Xadrez.
EliminarBom fim-de-semana
Abraço