Albert Rafols Casamada - Espaço azul (1979)
Recuperação
de textos do meu antigo blogue averomundo,
retirado de circulação. Este texto pertence a uma série denominada cadernos do esquecimento. Texto de 7.11.2009.
Aprende-se sempre com o resultado da visão dos outros sobre nós.
Geralmente, essa visão recata-se na intimidade da consciência,
dissimula-se, é generosa connosco ao silenciar o pensamento. As regras de
urbanidade poupam alguns desgostos ao nosso precário narcisismo. Mas esse olhar
estranho torna-se instrutivo quando é obrigado, pelas circunstâncias sociais ou
institucionais, a objectivar-se. Objectivar-se aqui não significa tornar-se
objectivo, mas simplesmente ter de se manifestar, o que é inteiramente
diferente. Nesse momento, temos a revelação de como os outros, por este ou
aquele motivo, nos vêem. E isso é sempre instrutivo. Instrui-nos sobre nós e
sobre os outros que nos olham. O que, porém, me tem dado mais motivo de
reflexão, a partir da experiência própria, é que esse olhar sobre nós
vindo dos outros muda muito em conformidade com o lugar onde nos situamos. Por
lugar, refiro-me ao lugar geográfico e não a um outro tipo de espaço, seja
social ou mental. Sou mais atreito à benevolência dos outros em certos lugares,
enquanto outros lugares me são mais claramente adversos. É como se existisse
para mim, talvez para todos nós, uma geografia onde se combinam espaços
fastos e nefastos, espaços onde se é amado sem fazer nada por isso, e
espaços onde se é não propriamente odiado, mas olhado de lado e com mal
disfarçada desconfiança, embora também nada se tenha feito para isso. É
evidente que estes espaços geograficamente fastos ou nefastos acabam por ter
uma correspondência social e mental. Nunca se compreende perfeitamente aquele
aviso que na adolescência os pais fazem para que não se frequentem certos
sítios nem certas pessoas. Pensamos que é um conselho localizado no espaço e no
tempo, mas não é. Prolonga-se vida fora. Muitos dos nossos problemas
nascem de nos termos deixado arrastar, talvez por complacência
para connosco e para com os outros, para espaços que não são os nossos e
frequentar pessoas que não nos convêm. Elas, as pessoas que não nos convêm,
sempre que tiverem oportunidade não deixarão de assinalar a nossa
inconveniência.
Ainda que tentemos desvalorizar -olimpicamente- a impressão dos outros sobre nós, é uma evidência que ela mexe connosco, especialmente quando os espaços são estreitos.
ResponderEliminarUma boa razão de que me sirvo por viver na grande urbe e deixar que muito me passe ao lado, sem dar por isso.
Um abraço
Percebo perfeitamente isso. Os grandes espaços sempre me foram fastos. Os estreitos, por vezes, colidem comigo.
EliminarAbraço