Antonio Tápies - Porta Roja (1995)
- Escute, homem! Você quer entrar
na Politica? Quer. Então, pelos Historicos ou pelos Regeneradores, pouco
importa. Ambos são constitucionaes, ambos são christãos... A questão é entrar,
é furar. Ora você, agora, inesperadamente, encontra uma porta aberta. O que o
póde embaraçar? As suas inimisades particulares com o Cavalleiro? Tolices! [Eça
de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires; ortografia segundo a regra da
época.]
Não estamos no século XXI. Eça retrata o constitucionalismo monárquico
do século XIX. O problema reside no simples facto de não haver qualquer
diferença entre o oportunismo político da altura e o actual. Para além de uma
vaga reverência ao constitucionalismo e aos valores cristãos, uma espécie de
senso comum da época ou, para usar uma infeliz expressão em voga nos dias de
hoje, o politicamente correcto de então, qualquer convicção é dispensável às
elites políticas portuguesas em períodos de constitucionalismo normal.
Nas sociedades pós-modernas em que se vive a indiferenciação
programática dos partidos políticos deve-se à erosão de alternativas. Pode
haver diferentes formas de gerir a coisa pública, diferentes memórias
histórico-partidárias, diferentes famílias políticas internacionais, mas todas
elas coincidem no essencial, como os últimos governos não se cansam de
confirmar. A indiferenciação político-partidária portuguesa, porém, não se
inscreve apenas nesta perspectiva de ausência de alternativa das sociedades
ocidentais actuais, das sociedades tardo-capitalistas, para usar uma expressão cunhada
por Werner Sombart e mais tarde adoptada pela Escola de Frankfurt. Ela é uma
tradição profunda de ausência de valores políticos sólidos, de convicções sobre
o bem comum, de falta de carácter dos protagonistas.
Na verdade, e apesar de uma guerra civil no século XIX entre liberais
e tradicionalistas (miguelistas), Portugal, para além das convicções atávicas
da velha Monarquia que se foram desfazendo, nunca foi lugar de enraizamento de
valores políticos modernos, talvez com a excepção da área dominada pelo Partido
Comunista. De certa forma, Portugal foi pós-moderno mesmo antes de chegar a ser
moderno, se é que alguma vez o foi efectivamente. Para as elites nacionais a
questão é só uma, a questão é entrar, furar. A monarquia constitucional é um
repositório dessas virtudes pátrias.
A República mudou o regime mas não os hábitos. O Estado Novo dispensou a
liberdade, mas manteve as velhas virtudes
do constitucionalismo e da República. O actual regime nunca encontrou motivação
para tornar o país num sítio um pouco mais asseado e o Estado num lugar mais
imparcial. Há que encontrar a porta e entrar. (averomundo, 2010/02/22, revisto)
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