Ticiano - O dinheiro do tributo (1535-40)
Ao falar do dinheiro o rosto do homem tomou uma expressão repugnante...
(Hugo von Hofmannsthal, Andreas)
Até há relativamente pouco tempo cultivava-se um certo pudor relativamente ao dinheiro. Esse pudor poderia ser uma reminiscência, que se terá democratizado, de uma sobranceria da nobreza perante a emergência de uma burguesia agressiva, do poder do dinheiro e do fim do ethos aristocrático. Seja como for, a ligação entre dinheiro e repugnância era um topos subliminar de certo tipo de educação, a qual tinha a virtude de impedir que o dinheiro fosse, fora de certos locais e ocasiões, motivo de conversa. Esse pudor tinha uma semântica complexa e com tonalidades contraditórias. No entanto, havia nele um reconhecimento de uma coisa que hoje desapareceu. Reconhecia-se que o dinheiro não podia nem devia ser a coisa mais importante na vida dos homens. Isso permitia que outras actividades, para além de ganhar e acumular dinheiro, tinham uma legitimidade inquestionável e, mesmo a hipocrisia social, era-lhes obrigada a prestar tributo. Um dos sintomas da doença que afecta o Ocidente é a perda do pudor de falar de dinheiro. Não só o dinheiro deixou de ser uma coisa pouco digna, embora desejável, como a repugnância de falar dele se transformou no seu contrário. A única coisa que interessa à ideologia dominante é o dinheiro. E a ideologia nunca se cala. Multiplica-se na voz de cada um, transformando a vida social numa liturgia do bezerro de ouro. Para quê? Para fazer mais dinheiro, multiplicando-o vezes sem conta, com a única finalidade de continuar a sua multiplicação. O dinheiro é agora a única realidade, o meio e o fim de todas as acções humanas. O pudor que havia de falar dele era a última resistência ao mundo cujo sentido está reduzido à pura multiplicação de capitais. Isto é, a nada.
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