A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Portugal é um país curioso. Talvez o leitor esteja lembrado de Manuel
Pinho, antigo ministro da Economia, num governo de Sócrates. Acabou a carreira
política numa troca de galhardetes com a bancada do PCP. No calor da disputa,
não se conteve e fez uns terríveis corninhos para o deputado Bernardino Soares,
salvo erro. Não apenas a honra do deputado comunista foi posta em causa, como a
própria pátria terá ficado de tal maneira lesada pelos dois dedos que saíram
pelas laterais da testa do ministro, que este teve de se demitir.
Olhemos para estes últimos meses da governação de Portugal. Nenhum
ministro perdeu as estribeiras e fez corninhos para a oposição. Mas a ministra
da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, e o ministro da Educação, Nuno Crato, são
responsáveis por dois inenarráveis processos de desarticulação da Justiça e da
Educação em Portugal. Processos judiciais parados, confusão nos tribunais,
pessoas com a vida suspensa a aguardar que o sistema volte à normalidade. Alunos
sem professores, professores colocados e despedidos, professores deslocados
para um lado e depois para o outro, escolas fechadas. Um pandemónio. Tanto
Teixeira da Cruz como Nuno Crato são responsáveis políticos directos por
transtornos inimagináveis na vida de muita gente. Isso parece ser muito menos
grave que os corninhos de Manuel Pinho.
Não digo que a demissão de Manuel Pinho, motivada pelo seu gesto, foi
excessiva. Aquilo que ele fez, e o levou à demissão, em nada prejudicou os
portugueses, enquanto as decisões e a gestão de Teixeira da Cruz e de Nuno
Crato causaram sérios prejuízos às instituições, à sociedade e a muitos
cidadãos. Demitiram-se? Foram demitidos? Não, no momento em que escrevo este
artigo, leio que o primeiro-ministro afasta a demissão de Crato. Em Portugal,
um ministro pode ser demitido por uma pilhéria de mau gosto, mas se afecta os
cidadãos com os seus erros parece que deve ser protegido, senão mesmo louvado.
Estes episódios mostram duas coisas. Em primeiro lugar, que há muito
mais tolerância para ministros de direita do que para ministros de esquerda,
mesmo que seja de uma esquerda que quase não se distingue da direita. Em
segundo lugar, e o mais importante, é que erros ministeriais (não digo
políticas, digo erros) – fundamentalmente, se vieram da direita – que afectem
ou destruam a vida das pessoas não têm qualquer sanção. Fica claro o valor que
os cidadãos têm aos olhos do governo. Nenhum! Afecta-se a vida da população,
paciência. O ministro pede desculpa e amanhã é outro dia. Grave, grave é se um
ministro faz uns corninhos. Aí a pátria vai abaixo.
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