Jorge Carreira Maia - Mitologias (o grande hotel) (2008)
Todas essas pequenas mitologias que fazem a vida dos homens - a dos grandes e a dos pequenos - estão a tornar-se-me estranhas. Poucas coisas são as que ainda me tocam, como se a verdade de todo o resto se tivesse manifestado já na sua ausência de verdade. Talvez sempre tivesse sido assim. Nos tempos de juventude, quando toda a gente mergulhava no devaneio do rock, ele era-me radicalmente estranho. Hoje, por exemplo, não partilho com a maioria das pessoas o prazer de viajar. Há naturezas assim. Falece-me o espírito do nómada e nunca consegui descobrir esse supremo encanto de me ver arrastado de lugar em lugar, de ser estranho em qualquer sítio, e, mais grave, estar num lugar que nunca me acolherá, pois os lugares têm segredos que ocultam cuidadosamente do turista. Tornei-me, no fundo, um discípulo de Xavier de Maistre. Haverá quem diga que não passo de um medieval, o que será sentido por mim como um elogio. Que poderei eu encontrar no mundo que não encontre no meu quarto ou, melhor, na cadeira do meu escritório? Quando viajo - por vezes, o destino avaro leva-me a isso - sinto sempre uma incongruência entre mim e as cidades por onde passo. Que queres tu de mim? Perguntam-me e eu, confesso, não sei que responder. Eu sou um intruso, um ladrão, um triste voyeur que espreita aquilo que não compreende, aquilo que existe para eu não compreender. No meu tempo de universitário estava muito em voga ainda a crítica das ideologias. Aquilo que precisamos é algo mais radical, a crítica das nossas pequenas mitologias, a manifestação do vazio que se esconde nelas. Por exemplo, a crítica da viagem turística, mesmo daquela - ou fundamentalmente dessa - que é feita segundo o triste pressuposto de acumulação de experiências culturais.
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