A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Vivemos numa época em que a cultura clássica é objecto do mais
acintoso desprezo. No entanto, é sempre proveitoso olhar para as grandes obras da
antiguidade, pois elas possuem modelos que nos ajudam a compreender o presente.
O destino de Agamémnon, narrado na tragédia homónima de Ésquilo, é o modelo
fundamental para interpretar o trajecto que aguarda, nos dias de hoje, a
maioria dos políticos vitoriosos.
Agamémnon é o chefe dos reis gregos que destruíram Tróia. A sua
vitória esteve, porém, ligada ao sacrifício de Ifigénia, sua filha, cuja
imolação foi por ele autorizada para convencer os deuses a deixarem rumar a
armada grega para Tróia. Vitorioso, voltou para a pátria onde o esperava não os
louros da vitória mas a morte às mãos da mulher, Clitmnestra. Em resumo, a
vitória política assenta no sacrifício instrumental de um inocente e torna-se o
caminho mais rápido para a derrota. Com este modelo podemos interpretar o
destino político de homens como Guterres, Barroso, Sócrates.
Concentremo-nos, contudo, em Passos Coelho. Ainda há uns escassos três
anos, o actual primeiro-ministro era alguém exuberante, cheio de ideias sobre o
destino da pátria e a reforma dos costumes que iria trazer à sociedade
portuguesa. Não foi uma Ifigénia que foi sacrificada aos novos deuses, os
deuses do mercado, foram centenas de milhar ou milhões que Passos Coelho
decidiu oferecer em holocausto. Sem compaixão, movido pelo desígnio de
purificar a sociedade portuguesa de gente que não se adapta ao mundo novo, o
actual primeiro-ministro perseguiu, empobreceu e destruiu tudo o que tinha à
mão. Eis a sua vitória, a desarticulação da Saúde, da Educação, da Segurança
Social, da Ciência. Destruição, destruição, destruição.
Olhemos hoje para o homem, para aquele super-herói do combate pela
sociedade liberal. Onde está? Desapareceu. Onde havia a alegre vanglória do
castigador, agora há uma melancolia infinita. Parece que vive assombrado pelo
clamor das vítimas que ofereceu em hecatombe. Não dá um passo sem que não tenha
suores frios, não vá surgir alguma Clitmnestra. Na verdade, toda a melancolia e
todo o temor do primeiro-ministro são inúteis. A sombra da sua derrota já
caminha para ele e ele, outrora tão soberbo e ufano, sente a armadilha que a
pátria lhe prepara. Todos as suas utopias do livre mercado, toda a construção
do homem novo racional e liberal, em nome das quais semeou pobreza e desalento,
valem agora menos que as acções do BES. Um destino de Agamémnon.
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