Max Ernst - Oedipus Rex (1922)
Por vezes, reprovam-me, ou olham com desconfiança, o meu interesse
pela política. Talvez pensem, e isso seria mais um cumprimento do que uma
crítica, que é um desperdício de tempo falar de coisas que, nos dias de hoje, são
consideradas pouco nobres. Há, no entanto, um equívoco. É um facto que eu tenho
posições políticas e que, como qualquer outro ser humano, sou movido por
interesses que nascem da tensão entre os meus desejos e as necessidades da
comunidade. Mas não é isso que me interessa, nem tão pouco julgo que a política
seja o lugar da produção do bem, mesmo do bem comum. O meu interesse é
puramente perverso. Talvez esta perversidade nasça do amor à tragédia. O lugar
do meu interesse é literário, estético, digamos.
Não há na vida social dos homens lugar mais trágico que o da política.
Não é por acaso que as principais tragédias clássicas são protagonizadas por
figuras políticas. A tragédia da política nasce da incomensurabilidade entre a
natureza do poder e a capacidade dos homens. O poder – o poder político,
note-se – exige, pela sua natureza, que aqueles que o ocupam sejam deuses, mas
os candidatos são apenas homens, limitados, finitos, mortais. Houve uma altura
que a distância infinita entre a exigência do poder e a natureza do governante
era preenchida por um truque. O governante era declarado um deus. Com o
cristianismo, o truque modificou-se. O governante já não é um deus mas um
ungido por alguém em nome de Deus. Estes truques tentavam disfarçar aos olhos
da plebe a verdade, a condenação e a derrota de todos aqueles que chegam ao
poder. Condenação nascida da sua finitude, de uma finitude que não lhe permite
cumprir os imperativos infinitos que o poder impõe.
A minha perversidade nasce do prazer trágico de ver homens como Passos
Coelho, Sócrates, Seguro, Costa, Cavaco Silva e todos os outros – cá e no
estrangeiro – dirigirem-se, no momento da vitória e da conquista do poder, para
a sua perdição. A sua vaidade cega-os e dá-lhes uma breve ilusão. Eles riem,
acenam, mas a derrota, como a morte no momento do nascimento, já começou a
trabalhar por dentro da sua vitória. Se estes homens fossem apenas homens
privados, a sua finitude seria apenas contrastada com a de outros seres e
tarefas finitas. Expostos sob a luz do poder, a sua mediocridade – igual à de
todos nós – logo se torna patente. Passados semanas, muitos já são risíveis.
Mesmo os mais audazes e talentosos acabam por ser desmascarados e o ridículo da
sua coragem e virtude políticas é exposto na praça pública. Não são deuses, são
mortais, a que a secularização do poder roubou o truque da presença divina. A
tragédia grega, a qual supostamente tratava de caracteres nobres e elevados,
não nos diz outra coisa. Agamémnon e Édipo caminham nas asas da vitória para a
sua própria derrota. E é este jogo entre a vaidade do homem político e a
humilhação a quê está inevitavelmente condenado que me interessa. É sempre um
espectáculo purificador, para seguir a lição de Aristóteles. Uma perversidade.
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