Depois do trambolhão do reino Espírito Santo, pouca coisa mais merecerá
o nome de escândalo. A pequena história dos vistos
gold é um escandalozinho de vão de escada, coisa de funcionários, perante a
sucessiva queda de bancos e banqueiros, gente idolatrada pelo poder e
reverenciada pela comunicação social. É evidente que a entrada na União
Europeia e a chegada de muito dinheiro criou uma cultura facilitadora destes
comportamentos. A coisa mais fácil – mas também a mais inútil – que o país pode
fazer é ver nestes episódios apenas um trágico e continuado conluio entre o
dinheiro e a política. É não perceber onde está a raiz da questão.
A revista do Público de
domingo passado trazia um trabalho, O
Estado da Meritocracia em Portugal, que merece ser lido, pois ajuda-nos a
compreender o chão de onde brotam os grandes problemas que afligem a sociedade
portuguesa. O artigo só espantará os muito distraídos. O mais interessante é
que torna evidente que não existe diferença de comportamento entre as
instituições públicas e as empresas privadas. Mostra que o mérito dos
indivíduos não é premiado em Portugal. Mesmo nas empresas privadas vale mais um
incompetente com uma boa cunha do que alguém de qualidade, mas sem pedigree. A questão é mesmo mais grave. Ser
competente pode ser um risco para a carreira de uma pessoa. Em geral, embora
existam excepções, nas instituições públicas ou nas empresas privadas, a
incompetência promove-se e é promovida. Esta cultura, velha de séculos, explica
muito bem o nosso atraso. Mas explica mais do que isso.
Explica as teias de cumplicidade que brotam nos lugares de decisão,
nos lugares onde o dinheiro aflui, nos lugares onde o país escreve o seu
destino. Este jogo de famílias que se conhecem desde há muito é o território
ideal para que pequenos, médios e grandes escândalos financeiros surjam. A
cumplicidade – que a expressão popular uma
mão lava a outra tão bem traduz – faz nascer um poderoso sentimento de
impunidade. Nos lugares de topo, as pessoas conhecem-se, devem-se favores
mutuamente, uma mão lava a outra, e
tudo parece fácil e, mais do que isso, parece ser um direito adquirido, fundado
em antigas alianças, treinadas a comprar a cumplicidade da política e o
silêncio da justiça. Toda a nossa sociedade está organizada de forma a que o
mérito singular seja punido e um certo tipo de crime seja não apenas permitido
como admirado. Portugal é, como diz o Público,
uma república da cunha, do nepotismo e do amiguismo. Depois, admiram-se da
imoralidade dos costumes em vigor na pátria.
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