A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
O pontificado de Francisco tem conseguido acordar todos os fantasmas
que, muito bem instalados, tinham tomado conta da Igreja Católica, e, cientes
de um poder venerável, tinham adormecido, confiados numa imutabilidade que os
justificava e elevava já à glória dos altares. Com o tempo, está-se a descobrir
que esses fantasmas, devido ao sono pesado, têm um mau acordar. E eles estão a
acordar muito irritados. O que tanto os irritará?
Certamente que a frugalidade e a ausência de fausto do estilo do Papa
os apoquenta. Se o Sumo Pontífice não se entrega ao luxo e ao fausto religioso,
o amor de alguns fantasmas por certo tipo de ostentação tem dificuldade em
encontrar legitimação. Paramentos caríssimos, palácios episcopais, grandes
carros, tudo isso começa a irritar a generalidade dos fiéis. Os fantasmas
sentem-se desconfortáveis. Francisco tem tendência para viver de uma forma
muito despojada, como se fosse pobre e não tivesse direito a ser no mundo mais
do que um pobre pescador. Os fantasmas, porém, não sonham com as sandálias do
pescador mas com o ceptro do imperador. Isto irrita os fantasmas, mas ainda
suportariam isso se…
Se, por exemplo, o Papa não viesse com aqueles ideias estranhas de que
a Igreja deve ser misericordiosa e tentar acolher, isto é, compreender com
compaixão (o que significa partilhar a paixão, o sofrimento, o caminho) aqueles
que pela sua orientação sexual ou pelas peripécias da vida ou do desejo viram as
suas vidas desfeitas ou atormentadas. Os fantasmas têm uma certa costela
farisaica e amam, acima de tudo, o formalismo da lei. Amam a divisão entre os
puros (eles e os seus) e os impuros, os quais podem até contribuir para a festa
litúrgica, desde que não participem dela. O maniqueísmo e o catarismo têm mil
véus e os fantasmas, tão preocupados com o rigor da lei, não hesitam em
prestar-lhes tributo. A misericórdia irrita e muito os fantasmas, mas ainda a suportariam
se…
Se o Papa se limitasse a amar os pobres, e gostasse tanto deles que
pretendesse multiplicá-los. Mas o pobre Bergoglio tem ideias estranhas. Acha
que a doutrina social da Igreja é uma coisa para ser levada a sério e não
apenas para enganar as pessoas. Julga que a Igreja deve ser pobre e servir os
pobres, contribuindo para que estes o deixem de ser. Os fantasmas acham
deplorável que a Igreja siga o exemplo de Cristo e que confronte os poderes do
mundo, em vez de estar mancomunada com eles. E nada há de mais irritante para
um fantasma que a separação do poder do mundo. Francisco bem precisa de se
cuidar, pois não faltam assombrações à sua volta.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.