A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Um provérbio chinês, talvez uma maldição, diz que, se não gostarmos de
alguém, devemos desejar-lhe que viva tempos interessantes. Para o povo chinês, que
possui o taoismo como cultura de fundo, tem todo o sentido este desejo. A vida
boa e digna é aquela que repousa na estabilidade das instituições, na
tranquilidade da vida social, na serenidade com que os indivíduos guiam a sua
existência. Ora, tendo em conta estes
padrões, podemos dizer que alguém não gosta mesmo nada de nós. Temos a
infelicidade de viver tempos interessantes, demasiado interessantes.
O referendo na Catalunha, a atenção com que foi seguido, por exemplo,
em Itália, a desagregação da Ucrânia e a guerra civil que por lá vai lavrando,
a afirmação da Rússia e da China como potências fundamentais, os acontecimentos
no Iraque e na Síria, a ebulição do mundo islâmico e a ameaça que isso
representa, a actual situação na Igreja Católica, a qual parece estar a acordar
forças – para o bem e para o mal – que ninguém suspeitava vivas, as
transformações económicas do mundo, os graves problemas ambientais provocados
pelo homem, os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, todo este conjunto
de coisas é um sinal, terrível sinal, de que estamos a viver tempos
interessantes.
Contudo, no que se está a passar, há uma novidade relativamente ao que
é suposto no provérbio chinês. Neste, os tempos interessantes são sentidos como
uma excepção dos tempos estáveis e tranquilos onde a vida vale a pena ser
vivida. O que se sente, nos dias de hoje, é que, daqui para o futuro, todos os
tempos serão tempos interessantes, cada vez mais interessantes. Isto é, serão
cada vez mais propícios à generalizada infelicidade dos homens, como se estes
tivessem perdido definitivamente o rumo e o bom senso tivesse desaparecido.
Talvez esta sensação já tivesse sido vivida noutras épocas, as quais
serviram de charneira entre um mundo que morria e outro que começava. Se
olharmos, porém, com atenção para aquilo que poderia ser a emergência de um
mundo novo, de um mundo que viesse trazer uma nova estabilidade e que pusesse
fim à crescente intranquilidade do presente, se olharmos com atenção, repito,
descobrimos qualquer coisa de monstruoso. Tudo o que emerge como novo torna-se,
quase imediatamente, obsoleto e substituível por outra novidade que se vai
esgotar ainda mais rapidamente. E isto não se passa apenas ao nível dos
dispositivos tecnológicos. Passa-se em tudo, como se o mundo dos homens
trouxesse agora dentro de si um irreprimível desejo de fim. Sim, são tempos
interessantes os nossos. Demasiado interessantes.
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