Roberto Matta - Le Vertige d'Eros (1944)
On croit qu’au fond de l’amour,
il y a un désir physique. C’est faux. Il y a un roman que nous connaissons déjà
et dont nous aspirons vainement à modifier le dénouement.
(Roland Jaccard, Sugar
Babies)
A frase de Roland Jaccard não deixa de ser surpreendente. Ela
substitui, como fundamento do amor, a busca homeostática de equilíbrio inerente
ao desejo físico pela ideia de que o amor assenta num romance que todos já conhecemos
e do qual aspiramos, em vão, modificar o desenlace. De facto, toda a narrativa
é uma forma de ordenação do heteróclito da experiência sob as categorias
gramaticais, semânticas e estilísticas que dela fazem parte. O que acho
surpreendente não é tanto a afirmação feita, mas o facto dela ser uma confissão
implícita da deserotização que atinge as sociedades ocidentais, deserotização
essa concomitante com a presença cada vez mais ostensiva da sexualidade crua na
esfera pública.
A esfera pública, pela sua natureza comunicativa, exige a narrativa, e
o amor, agora tomado de assalto pela publicidade (no sentido kantiano do termo),
só encontra a sua razão de ser numa narrativa de carácter iterativo e romanesco.
É sempre a mesma história, uma história que todos conhecemos, cujo desenlace nos
desagrada, mas que, devido à nossa impotência (e aqui não será descabido falar
de impotência sexual), é impossível de modificar. A confissão da deserotização
do mundo feita por Jaccard não reside, porém, apenas na consideração do
fundamento do amor como narrativa. A alternativa, para fundamento do amor,
entre desejo físico e narrativa é já ela indiciadora dessa deserotização,
indiciadora de que uma experiência mais profunda do amor se desvaneceu, mesmo
enquanto mera ideia reguladora.
Tanto ao nível do desejo físico como da narrativa, encontramo-nos na esfera apolínea da ordem. A alternativa proposta por Jaccard inscreve-se num
conflito, talvez aparente, entre a ordem biológica, dada na busca do equilíbrio
homeostático, e a ordem cultural, dada na linguagem e na submissão às suas
categorias. Para além da esfera apolínea do equilíbrio, a qual faz todo o
sentido na esfera pública e política, podemos ainda pensar numa esfera
dionisíaca, a qual emergirá da tensão que percorre Eros, esse filho da
abundância e da carência. O fundamento do amor não será tanto o equilíbrio –
aquele que se busca pela satisfação do desejo físico ou pela vivência iterativa
de uma narrativa – mas o desequilíbrio dado pelo excesso presente tanto na
abundância como na falta presentes em Eros. E é este fundamento que a frase de
Roland Jaccard já não reconhece, e neste não reconhecimento está toda história
de uma sexualidade cada vez mais crua e menos erótica.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.