Milo Winter - A raposa e as uvas (1919)
Segundo a teoria de Everett, a cada instante que uma escolha é feita,
seja pelo acaso, seja pela mente humana, o universo divide-se em dois: um para
cada escolha possível. Em um universo, decidi casar. Em outro, comprar uma
bicicleta. Ambos os universos existem simultaneamente. Everett desenvolveu uma
robusta estrutura matemática para demonstrar que, ao menos em teoria, seria
possível que a realidade fosse composta de inúmeros universos, todos existindo
paralelamente, e cada um diferindo dos demais pelo somatório das escolhas
realizadas por todos nós (e, na verdade, pelas escolhas também feitas pelo
“acaso”). Em cada um desses universos, haveria versões de nós próprios, e cada
versão seguiria um destino diferente (Victor
Lisboa).
Cheguei a este texto a partir do título de uma ficção de Jorge Luís
Borges, O Jardim dos Caminhos que se
Bifurcam, o qual, como me acontece muitas vezes com múltiplas coisas e sem
qualquer razão, penetrou na minha consciência e começou, de forma obsessiva, a
martelar-me o pensamento. Estava a fazer alguma coisa ou pensar em certo assunto
e lá me vinha à mente o jardim dos caminhos que se bifurcam. Li esse conto pela
primeira vez há muitos anos. Tornei a lê-lo, mas mesmo esta releitura foi já há
bastante tempo, de tal modo que a intriga entrou no reino do esquecimento,
permanecendo apenas, agora de forma obsessiva, o título. Mais do que o título é
a ideia de caminho que se bifurca que me parece atormentadora. Se sigo por um
caminho no jardim e ele, a dado momento, se divide em dois caminhos desejáveis fico com um
problema. Contrariamente ao que se pode pensar, o problema não está na dúvida
ou hesitação em escolher um caminho e não outro. O problema reside no facto de
não poder seguir nos dois caminhos ao mesmo tempo. Ter de escolher um caminho é
optar por uma felicidade em detrimento de outra. A cisão dos caminhos é o
princípio da infelicidade.
A teoria física de Everett acaba por representar não uma consolação mas
uma duplicação do fardo da infelicidade. Se é matematicamente possível que eu
esteja nos dois caminhos ao mesmo tempo, mas em universos paralelos, que se
ignoram mutuamente, então isso significa que eu, devido à ignorância de mim
no outro universo, sou duplamente infeliz. Sou-o neste, onde tomei a decisão de
seguir pelo caminho da esquerda, perdendo o da direita, e sou-o no outro onde tomei a decisão de
seguir pelo caminho da direita, perdendo o da esquerda. Quanto mais alternativas existirem, mais
universos existirão onde eu estou presente, mas em todos eles a minha
consciência será infeliz, motivada pela perda que sofre ao escolher em cada um
deles. Imaginemos, porém, que eu acredito absolutamente na teoria de Everett e
sei que, ao escolher o caminho da esquerda neste universo, terei escolhido o da
direita no outro. Esta convicção servirá de consolo? Far-me-á menos infeliz? E
é aqui que se torna patente os limites da razão para tornar os homens felizes.
Eu creio racionalmente que estou ao mesmo tempo no caminho da esquerda e no
caminho da direita, mas a verdade é que esse saber ainda torna mais lúgubre a
minha situação. Agora não sofro apenas porque ao escolher eliminei uma
experiência. Sofro também porque não tenho acesso à experiência que eu tenho no
outro universo. Não perco apenas um caminho, perco-me também a mim próprio num universo que me é estranho.
Dito de outra maneira, a felicidade só seria possível se,
apresentando-se duas ou mais alternativas desejáveis, eu pudesse realizá-las
todas ao mesmo tempo, se eu conseguisse unificar todos os caminhos que se
bifurcam diante de mim. É verdade que, em vez de devanear com universos paralelos ou de querer tudo ao mesmo tempo, posso sempre pensar que a verdadeira
felicidade está na humildade de aceitar a condição humana e, concomitantemente,
aceitar que uns desejos têm de ser frustrados para que outros se realizem. Na verdade, apenas estou a comportar-me como a raposa da fábula atribuída a
Esopo.
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