Raymond Pettibon - Religión, love, ambition... (1997)
É como a febre, pensou. Aumenta conforme o dia vai passando. Ao
levantar, a luz da razão espraia-se sobre o mundo e tudo parece claro e
distinto. As paixões, essas secretas inclinações da alma, são vistas à
transparência, e a doença que nelas se inscreve é compreendida como doença.
Como é possível, perguntou-se, não ver aquilo que é tão visível? Quantos
impossíveis se inscrevem naquela patologia? Uma fogueira de vaidades, pensa,
alimenta o fogo passional, aviva-o e, mesmo perante o dissabor, ilumina-o e dá-lhe
brilho. Mas a luz da manhã, essa fria luz fotográfica, a tudo dissipa, a tudo
mostra na crueza com que a verdade desce sobre os homens. Vai ser diferente,
agora, promete. E como num sistema hidráulico, a visão da razão comunica-se à
vontade e esta prepara-se já para ser a justiceira que matará o dragão e curará
a alma. A manhã, porém, passa rápido e a luz toma outra temperatura. Os olhos
da razão começam a tremer, a vontade vacila, e todas as certezas que o novo dia
trouxera desfocam-se. É uma lenta desfocagem, considerou de si para si. Uma pequena
incerteza paira sobre o mundo, sombreia a pureza matinal da luz. A dúvida
macula agora o coração. E as inúteis e perversas paixões agarram-se à alma,
sussurram-lhe a pertença, insinuam a inelutável necessidade. Ao meio-dia tudo
se incendeia sob a inclemência do sol e a razão retira-se, abandonando a alma à luz da
tarde, a uma luz quente, destituída, no seu esplendor, de todo a sobriedade. As
paixões uivam dentro da alma e a vontade, a que nenhuma graça auxilia, cede ao
peso do dia. Quando a noite chega, o corpo febril arde sob a severidade do
desejo e um estranho sentimento entrega-o à desolação da falta.
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