Martial Raysse - Moïra (1977)
Há qualquer coisa de repugnante no alarido que envolve o resultado das
eleições gregas. Considere-se, por exemplo, as reacções no nosso país. Seja o
esgar de esperança da esquerda, seja o odioso paternalismo das declarações da
direita, com especial destaque para as de Passos Coelho, a verdade é que essas
reacções não passam de mais uma manifestação dos mecanismos do condicionamento
pavloviano. Puro reflexo condicionado. Este alarido diz-nos muito sobre o passado e nada nos diz do que
temos pela frente.
O problema é que hoje já não vivemos no tempo em que a esquerda e a
direita dividiam simetricamente o universo político para conforto dos eleitores
e segurança dos capitais e dos empregos. A vitória do Syriza e a aliança governamental entre a esquerda
radical e a direita soberanista são já um indicador que
estamos a pisar território desconhecido, e que por isso não há qualquer razão
para hinos à alegria ou para espumar paternalismo e rancor. Estamos a pisar um terreno escorregadio, onde as velhas categorias do pensamento político estão a desfazer-se, onde os perigos e as possibilidades se confundem, onde as nossas luzes pouco ou nada penetram.
O sensato seria, à esquerda e à direita, reconhecer a complexidade da
situação, perceber que nada sabemos do futuro, nada sabemos sobre o que pode acontecer se as posições se extremarem, na expectativa que pode haver uma vitória global de um lado contra o outro. Sensato será trabalhar para que tanto a
Grécia como a União Europeia encontrem o caminho da justa medida (sim, a velha
virtude aristotélica da mesotês), para
que a desmedida – a antiga húbris dos
gregos – não traga sobre todos nós um pesado castigo, um castigo que, antevendo
a falta de luz que cresce nos nossos
dias, a moira (o cego destino) tece
no silêncio onde se esconde. Sensato será perceber que o futuro é um lugar perigoso e que ainda é tempo de evitarmos uma tragédia.
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