Francisco Bores - Felicidad (1955-58)
Li há pouco a estranha expressão “era um homem de pensamento feliz” e
fiquei tomado por uma perplexidade tal que suspendi a leitura. O que naquela
frase poderia causar-me tão grande perplexidade? Nunca me tinha ocorrido fundir
pensamento e felicidade. Talvez o autor estivesse a usar uma
expressão figurada e quisesse apenas dizer que se estava perante alguém cujo
pensamento é oportuno, que possui perspicácia ao analisar uma situação ou ao
propor uma solução. Alguém que pensa bem, em suma. Isso, porém, seria substituir
uma avaliação técnica por um estado de alma pouco adequado à retórica da
avaliação. O que me causa perplexidade é, de facto, essa conjugação entre
pensamento e felicidade, a substituição da verdade enquanto virtude do
pensamento pela felicidade.
Talvez hoje em dia exista um mercado para esse tipo de coisas, para um
pensamento feliz ou para uma filosofia que promete felicidade, que vende
bem-estar pela deglutição de algumas teorias filosóficas, devidamente
expurgadas da malevolência que existe em todo o pensar. Tudo isto, contudo, é
uma falsificação. Pensar é já uma confissão, a confissão de que se abandonou a
busca da felicidade, para enfrentar o terrível que se esconde e que deve vir
até nós sob o nome da verdade. Por que motivo a verdade que o pensamento nos
revela sobre o mundo nos deveria fazer felizes? Não encontro qualquer motivo. Talvez
a razão maior da minha perplexidade nasça de uma antiga convicção que nunca
consegui abandonar: se deixasse de pensar conseguiria abrir a porta da
felicidade.
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