A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Na sequência dos acontecimentos no Charlie
Hebdo, surgiu um discurso desculpabilizante dos terroristas. Esse discurso tem
vindo ou de alguns sectores ocidentais conotados com a esquerda ou de alguns
sectores islâmicos. Utilizo o pronome indefinido alguns propositadamente, pois houve muitos sectores de esquerda e
islâmicos que tiveram uma posição clara de repúdio. O que me interessa, porém,
não é o debate esquerda-direita ou o conflito Ocidente-Islão. O que me
interessa é mostrar que as narrativas desculpabilizadoras e contextualizadoras
destes crimes políticos são, essencialmente, uma expressão de racismo.
Argumentar, como eu vi em muito lado, que estes actos só são
compreensíveis pelo facto das comunidades islâmicas em França serem pobres e
marginalizadas é negar aos seus autores não só a individualidade mas também o
livre-arbítrio, a capacidade de serem responsáveis pelos seus actos. Milhões de
muçulmanos, por pertencerem a comunidades migrantes com cultura diferente da francesa,
vivem em situações que não se comparam com as dos franceses de origem europeia.
No entanto, isso não faz deles terroristas nem os leva a adoptar uma forma de
Islão radical e ameaçadora das liberdades.
Os argumentos desculpabilizantes escondem que aqueles homens faziam
parte de organizações que possuem um projecto político claro, um projecto
político com finalidades bem definidas e que possui uma racionalidade política
e estratégica. Escondem que eles agiram de uma forma racional, perfeitamente
deliberada. Escondem que eles escolheram a forma como mataram e a forma como
morreram. Escondem que tanto ao matar como ao morrer eles procuraram tirar
dividendos políticos para a ideologia que os animou.
Por que motivo considero, então, estes comentários e posições
desculpabilizantes dos terroristas como produto de uma atitude racista? Esses
comentários e posições, ao negar o livre-arbítrio, a responsabilidade individual
e a escolha racional feita pelos autores dos crimes, acabam por transferir
estes actos para toda uma comunidade, aquela a que os autores pertenciam, como
se dissessem: eles cometeram estes crimes porque são árabes discriminados.
Transferem desse modo aquilo que é da responsabilidade individual para a
condição de todo um grupo social, o qual é visto como sendo constituído por
pessoas sem livre-arbítrio, irresponsáveis e de uma racionalidade diminuída
pela sua condição social. Isto, na verdade, é racismo, um racismo subtil,
disfarçado de boas intenções e de revolta contra as injustiças perpetradas
pelos ocidentais, mas racismo.
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