Lucio Muñoz - 27-85 (1985)
A rua era íngreme, a estrada empedrada, ladeada por passeios de terra
batida. Ouvia-se o som dos cascos de um cavalo a bater na pedra. O cavaleiro
endireitava-se, sem esforço, na sela e conduzia o animal com bonomia. Vestia um
fato de montar que a escassa luz da iluminação pública mostrava como se fosse
preto. Subia em direcção a uma curva apertada, que, depois de outra tão
apertada mas de sentido contrário, levaria ao adro da igreja. A porta lateral
desta, guarnecida por um pórtico triangular de granito, estava aberta, deixando
coar uma luz amarelada vinda do interior. De ambos os lados, candeeiros de vidro
lançavam sobre a noite um clarão breve e hesitante. Um padre de batina e
barrete subia a rua, impulsionado pelo arquejo do coração. Às vezes, parava,
parecia concentrar-se e reunir todas as forças para continuar. Tossia e
murmurava, mas não se distinguia se era uma ladainha ou uma imprecação. Três
mulheres, por volta dos quarenta anos, vestidas de negro, iam mais à frente.
Conversavam em surdina, como se estivessem já dentro da igreja. Esta era
antecedida pela casa paroquial, de janelas gradeadas no rés-do-chão e uma porta
estreita por onde entrou o sacerdote. O luar débil era recortado pelo
campanário. Dois sinos suspendiam-se ali. Quando o cavaleiro desapareceu na
última curva, ouviu-se o bater das dez horas. As mulheres pararam,
entreolharam-se. Pareciam hesitar, à última badalada, entraram na igreja. A rua
estava agora deserta, tomada de assalto por um vento frio e um cheiro a pedra
húmida, que dobravam o coração e o inundavam de uma estranha angústia nascida
da súbita solidão. Acabara de chegar à terra distante do passado.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.