sábado, 10 de dezembro de 2016

Descrições fenomenológicas 13. O café

Lucio Muñoz - Collage rojo (1995)

A meio da sala, uma velha mesa de bilhar, de pano verde surrado sobre uma armação sólida de madeira com incrustações de mármore, deixa correr, ao sabor da arte dos dois jogadores, três bolas, duas brancas e uma vermelha, que se atraem e repelem, enquanto, junto a um dos pés da mesa, um gato, sentado, abre e fecha os olhos ao som das tacadas e das imprecações dos adversários. Numa das mesas ao fundo, um homem dormita, a cabeça sobre o braço pousado no tampo. Ao lado, entre cafés, dois casais conspiram. Falam baixo, pequenos murmúrios atravessados pelo bater das bolas, risos nervosos na densa atmosfera saturada de fumo. Por vezes, elas entreolham-se e sorriem. Uma nuvem de condescendência ergue-se dos sorrisos e, por instantes, paira junto ao tecto para desabar sobre os companheiros. Depois, voltam à conversa sussurrada, deixando o manto conspirativo crescer. Um empregado atravessa a sala, equilibra numa mão a bandeja cheia de cafés, pára junto a uma mesa e distribui as chávenas, com um ar cansado, um rosto de onde se foram apagando, um após outro, todos os sonhos que um dia, há muitos anos, aquecerem a juventude, como uma promessa que nunca haveria de cumprir-se. Do outro lado da sala, está uma mulher só. Na mesa, uma garrafa de sifão com soda. Entre a malha metálica avista-se o vidro e tudo cintila na luz que se derrama dos três candeeiros arte nova que descem do tecto para espalhar um oceano luminoso sobre as nuvens de tabaco. Ela recosta a face, levemente inclinada, sobre a mão e olha para a porta. Um olhar lânguido que repercute, na sua solidão, como um suspiro de alento. O cabelo, apanhado atrás da cabeça, deixa ver as orelhas, sem brincos, e um pescoço fruste que nem o colorido do lenço consegue dar brilho. O nariz afilado, porém, conjuga-se com os belos dedos que, inesperadamente, terminam as mãos. Alguém atento não deixará de se interrogar perante a incongruência nascida do contraste entre beleza das mãos e a rude vulgaridade do pescoço. Os olhos, de um ébano macerado pela volúpia, rasgam o rosto e deixam entrever o ardor de uma alma que vacila entre o desejo dos homens e o abandono do mundo. Os minutos passam e ela olha, perdida, para a porta. Por vezes, leva o copo à boca e sorve lentamente o conteúdo, para depois o pousar ao de leve no mármore da mesa. Os dois casais conspirativos saem em silêncio e o gato, cansado dos jogadores de bilhar, salta para o colo da solitária. A mão afaga, lânguida e voluptuosa, o dorso do animal e este ronrona, enquanto um outro casal entra e senta-se na mesa ao lado. Dois cafés, diz ele para o empregado, e acende um cigarro.

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