Lucio Muñoz - Collage rojo (1995)
A meio da sala, uma velha mesa de bilhar, de pano verde surrado sobre
uma armação sólida de madeira com incrustações de mármore, deixa correr, ao
sabor da arte dos dois jogadores, três bolas, duas brancas e uma vermelha, que
se atraem e repelem, enquanto, junto a um dos pés da mesa, um gato, sentado,
abre e fecha os olhos ao som das tacadas e das imprecações dos adversários.
Numa das mesas ao fundo, um homem dormita, a cabeça sobre o braço pousado no
tampo. Ao lado, entre cafés, dois casais conspiram. Falam baixo, pequenos
murmúrios atravessados pelo bater das bolas, risos nervosos na densa atmosfera
saturada de fumo. Por vezes, elas entreolham-se e sorriem. Uma nuvem de
condescendência ergue-se dos sorrisos e, por instantes, paira junto ao tecto
para desabar sobre os companheiros. Depois, voltam à conversa sussurrada,
deixando o manto conspirativo crescer. Um empregado atravessa a sala, equilibra
numa mão a bandeja cheia de cafés, pára junto a uma mesa e distribui as chávenas,
com um ar cansado, um rosto de onde se foram apagando, um após outro, todos os
sonhos que um dia, há muitos anos, aquecerem a juventude, como uma promessa que
nunca haveria de cumprir-se. Do outro lado da sala, está uma mulher só. Na
mesa, uma garrafa de sifão com soda. Entre a malha metálica avista-se o vidro e
tudo cintila na luz que se derrama dos três candeeiros arte nova que descem do
tecto para espalhar um oceano luminoso sobre as nuvens de tabaco. Ela recosta a
face, levemente inclinada, sobre a mão e olha para a porta. Um olhar lânguido que
repercute, na sua solidão, como um suspiro de alento. O cabelo, apanhado atrás
da cabeça, deixa ver as orelhas, sem brincos, e um pescoço fruste que nem o
colorido do lenço consegue dar brilho. O nariz afilado, porém, conjuga-se com
os belos dedos que, inesperadamente, terminam as mãos. Alguém atento não
deixará de se interrogar perante a incongruência nascida do contraste entre
beleza das mãos e a rude vulgaridade do pescoço. Os olhos, de um ébano macerado
pela volúpia, rasgam o rosto e deixam entrever o ardor de uma alma que vacila
entre o desejo dos homens e o abandono do mundo. Os minutos passam e ela olha,
perdida, para a porta. Por vezes, leva o copo à boca e sorve lentamente o
conteúdo, para depois o pousar ao de leve no mármore da mesa. Os dois casais
conspirativos saem em silêncio e o gato, cansado dos jogadores de bilhar, salta
para o colo da solitária. A mão afaga, lânguida e voluptuosa, o dorso do animal
e este ronrona, enquanto um outro casal entra e senta-se na mesa ao lado. Dois
cafés, diz ele para o empregado, e acende um cigarro.
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