Jiri Georg Dokoupil - Cabeza teórica (1983)
Há fenómenos sociais que são objectos de grandes paixões. Amores
desmedidos e ódios infinitos. Por exemplo, a religião ou a política. Considere-se
as crenças no além e na imortalidade da alma, no campo da religião, e a divisão
entre direita e esquerda no domínio da política. Discutir sobre a verdade ou
falsidade daquelas crenças religiosas é, na verdade, um exercício ocioso. Não
menos ociosa é discussão sobre se a razão pende para o lado da direita ou da
esquerda, ou a questão de saber se essa divisão faz sentido. Esse tipo de
questionamento inscreve-se na necessidade de tomar posição e, tanto no campo
religioso como no campo político, deriva da ideologia, procede de um olhar
perspectivista e enviesado.
A questão deixa de ser ociosa se, a partir de uma perspectiva
evolucionista, perguntarmos que vantagens competitivas e adaptativas a espécie
encontrou naquele tipo de comportamentos. Com isto, não se pretende negar a
pertinência do questionamento filosófico sobre tais assuntos. Contudo, o
questionamento sobre as vantagens que a espécie encontrou há muito nas crenças
religiosas ou, mais recentemente, na divisão esquerda-direita, por exemplo, é
mais humilde e talvez permita encontrar respostas que nos ajudem a compreender
os fenómenos religiosos e políticos, em vez de se procurarem justificações para
as nossas crenças.
Este tipo de questionamento e as eventuais respostas têm a vantagem de
nada nos dizerem sobre se as crenças no além e na imortalidade da alma são
verdadeiras ou falsas, assim como nada nos dizem sobre a superioridade política
da direita ou da esquerda. Estão para além da ideologia religiosa e política. Podem
ajudar-nos, porém, a compreender por que razão a espécie tem tido necessidade
dessas crenças religiosas e dessas práticas políticas. E isso, não sendo a
panaceia para muitos dos males que se abatem sobre a nossa pobre espécie,
poderia ajudar a enquadrar muitos dos fenómenos que hoje em dia se manifestam
no palco do mundo. Não seria pouco.
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