quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

2016-2017

Paul Ackerman - Confrontation de deux conceptions (1967)

A minha crónica no Jornal Torrejano on-line.

O ano de 2016, do ponto de vista da política interna, foi marcado pela descoberta, por muita gente, da inexistência em Portugal de organizações políticas radicais e extremistas. Aquilo que para alguns, muito poucos, já era claro – o facto de tanto o BE como o PCP perseguirem na prática, para além da retórica discursiva para consumo interno dos respectivos partidos, objectivos políticos moderados e de pendor social-democrata – tornou-se agora patente. O país foi governado a partir de uma maioria de esquerda e, nem por um instante, os compromissos de Portugal, com a União Europeia e a NATO, foram postos em causa. O que se assistiu foi a uma recomposição tímida do tecido social destruído pela intervenção da troika e pelos governos de Sócrates e de Passos Coelho.

É verdade que a direita política e, fundamentalmente, a direita presente nos blogues e colunas de opinião, tanto nos jornais como nas televisões, não se cansa de gritar que somos governados pela extrema-esquerda ou pela esquerda radical. O fascínio que o mantra provoca nesses grupos é tanto que não têm percebido duas coisas fundamentais. A primeira é que fora desses círculos ninguém leva o mantra a sério e, mais do que isso, ninguém tem medo, nas actuais circunstâncias, da aproximação ao poder do BE e do PCP. Como arma eleitoral não funciona. A segunda, mais grave para a direita, é que ela não percebeu que o governo de Passos Coelho, cego pelo delírio neoliberal, abandonou o centro (aquele centro que tanto Sá Carneiro como Cavaco Silva disputaram com êxito à esquerda) e entregou-o de mão beijada não só ao PS mas ao BE e ao PCP.

O ano de 2017 será diferente, por razões externas e internas. Externamente, devido à vitória de Donald Trump nos EUA e ao realinhamento geopolítico que isso vai implicar, independentemente do que se passar nas eleições em França e na Alemanha. É possível que se assista a uma reconfiguração dos processos de globalização e da pressão que esta tem exercido sobre a vida política dos Estados-Nação. Internamente, as actuais movimentações no PSD para defenestrar Passos Coelho são um sintoma de que a direita percebeu que a aventura passista lhe alienou o centro. Neste momento, procura um condottiero que a reconduza à disputa do centro e ao poder. Rui Rio parece ter as qualidades necessárias para ser esse chefe da direita. Estas duas hipotéticas alterações trazem novos desafios à esquerda. Se ela quiser continuar a determinar a evolução política do país, tem de olhar para o que vem aí e deixar os fantasmas de Passos e da sua governação na casa assombrada que é a deles.

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