terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A retórica da escola inclusiva

Juan Botas - School (1989)

A falta de paciência para coisas idiotas é um sintoma claro que se entrou na velhice. Como cada vez mais a velhice é a minha condição, tenho cada vez menos paciência. Por exemplo, nem que fosse santo – e um santo que se presa tem uma paciência infinita – teria capacidade para perceber a lamechice patética que se instaurou à volta da expressão escola inclusiva. Eu não sou contra a escola inclusiva, sou a favor. O que me põe fora do sério é o entendimento que corre por aí – infelizmente, até entre gente com responsabilidades e com poder de decisão – de que a escola inclusiva não deve ser exigente com os alunos, deve estar preocupada com a auto-estima destes, fomentá-la e, mais que tudo, não os deve avaliar com provas externas, pois as crianças ficam infelizes – e lá se vai a auto-estima e o prazer – e isso destroça os corações benevolentes dos papás.

O grande problema é que às crianças e jovens, quando chegam às escolas, não lhes falta auto-estima. Têm auto-estima a mais. O que lhes falta são regras e competência para regular o seu comportamento. Falta-lhes capacidade para colocarem objectivos a médio e a longo prazo e persegui-los. Quando a escola começa a exigir regras ou algum ministro se lembra de avaliar o que lá se faz cai o Carmo e a Trindade. Pobres crianças que ficam infelizes, pois têm de prestar contas e, para terem êxito, têm de adquirir regras em vez de se deixarem andar segundo os seus desejos. A visão patética da escola inclusiva acha que tornar os alunos mais responsáveis e exigir-lhes  a prestação de provas, que não sejam a santificada avaliação contínua, é lançá-los na exclusão e torná-los infelizes, contrariar o princípio de prazer que deve orientar a educação.

Não há paciência para isto, para esta retórica patética da escola inclusiva. A escola só será inclusiva se der a todos aquilo que só alguns – graças à sua situação social – obtêm. O que pagam os pais que colocam os filhos nos grandes colégios privados (não me refiro aos negócios que há por aí)? É verdade que pagam relações sociais. Mas pagam muito mais do que isso. Pagam escolas exigentes, que colocam dificuldades e exigem aos seus alunos que dêem o máximo. Não pagam para esses colégios se preocuparem com a auto-estima dos meninos, nem os educarem segundo o princípio de prazer. Pagam para que eles se tornem mais capazes. 

O desafio da escola pública inclusiva é fazer o milagre de dar a todos os alunos aquilo que o dinheiro compra para alguns. Dar-lhes regras, fomentar a exigência, pô-los perante provas e obstáculos para se superarem. Ensinar-lhes que o princípio de realidade se deve sobrepor ao princípio de prazer. O papel da escola pública é apoiar, sem desfalecer, os seus alunos nessa aventura. Isto é tornar a escola pública verdadeiramente inclusiva. O resto é fomentar a exclusão, a discriminação e a reprodução das desigualdades através da retórica dos bons sentimentos, que ficam sempre bem a quem os tem, mas que custarão, no futuro, muito caro às crianças que foram vítimas de tamanha bondade afectiva. Não há paciência.

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