Juan Giralt - Ora Pro Nobis (2000)
Merece meditação o desprezo que uma certa direita social – aquela que
não está comprometida com a necessidade de ganhar votos e, por isso, diz o
que parte da outra também pensa – vota ao Papa Francisco e ao actual Presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Este desprezo consubstancia-se em
referências como o papa Chiquinho ou as marcelices do PR. Este desprezo provém,
como a generalidade dos actos de desprezo, da combinação da desilusão e da
impotência.
Desejariam, por exemplo, que o Papa fosse cúmplice do maravilhoso
mundo ultraliberal, que se calasse perante o problema da preservação do planeta
e, em matéria de relações com o Islão, tivesse já proclamado uma nova Cruzada
contra os infiéis. Como o Papa não esteve pelos ajustes com estes delírios, ela
desiludiu-se e, como se sente impotente, de momento, para nomear um novo Papa,
passou ao jogo do desprezo e do achincalhamento.
No caso de Marcelo Rebelo de Sousa, o problema centra-se no jogo
político nacional. O PR em vez de ter despedido a geringonça ou ter apelado a
uma fronda contra a esquerda no poder, tem tido a sensatez de valorizar o que o
actual governo tem feito, apesar do cumprimento das regras draconianas impostas
por Bruxelas, para estruturar a coesão do todo nacional e evitar confrontações
sociais. Também aqui, à desilusão com o facto do PR não se ter arvorado em
chefe de seita seguiu-se o desprezo e, sempre que possível, o achincalhamento
da figura política do Presidente.
Esta direita, ébria e radicalizada pelas possibilidades trazidas pela
globalização, desdenha os laços comunitários e a necessidade de encontrar
equilíbrios sociais, políticos, económicos, culturais e religiosos. Não por
acaso, revê-se em Trump e nas aventuras que este promete ao mundo. Cultiva o
mantra da incorrecção política, embora o que a crítica do politicamente
correcto pretende destruir é sempre direitos e garantias dos mais fracos.
Esta direita deseja, do fundo do coração, não apenas rupturas sociais
e políticas mas a confrontação que permita esmagar os mais fracos e submetê-los
à dominação. Travestido de desprezo, o ódio é dirigido para aqueles que, como o
Papa ou o actual PR, insistem em estabelecer pontes, encontrar equilíbrios e
não desistem de cultivar a velha virtude aristotélica da mesotês, esse meio termo entre o excesso e a deficiência, o lugar
onde se encontra a justa medida, que
nos permite viver, de forma decente, uns com os outros.
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