Quando acontecimentos dramáticos como o aluimento de uma
parte da estrada entre Borba e Vila Viçosa se dão, monta-se um terrível espavento
cujo resultado é ocultar a raiz que está na base desses acontecimentos. O
espectáculo, para além das intervenções populares e os comentários dos
especialistas sobre o assunto, constrói-se com uma acalorada e muito indignada
exigência de encontrar culpados para o sucedido. As televisões – secundadas de
imediato pela imprensa e redes sociais ou vice-versa – são palco de um novo
desporto nacional: a caça ao responsável pela tragédia. Estas cenas degradantes
servem para dois fins. Por um lado, alimentar as audiências e, por outro,
aliviar a consciência da nação relativamente ao modo como a generalidade dos
portugueses se relaciona com a vida.
Não estou a afirmar que estas tragédias não têm culpados.
Terão, por certo. Ainda menos defendo que esses culpados, caso sejam
identificados, devam ficar impunes. Não devem. Será esse o trabalho do sistema
judicial. A Justiça deverá seguir, célere de preferência, os seus trâmites e
encontrar os indivíduos cuja acção ou omissão contribuiu para a tragédia. A
Justiça, porém, não é um palco feérico e onde gente histriónica age para gáudio
da plebe. Por isso, o trabalho da Justiça não deve ser confundido com o
populismo justicialista que tomou conta da comunicação social, imitando o pior
das redes sociais, na busca do primeiro – e se for político, melhor – a quem se
possa apontar o dedo acusatório.
O reboliço comunicacional, pretensamente indignado, tem o
condão de esconder a atitude dos portugueses perante a vida. Não está na sua cultura
serem meticulosos, organizados, preocupados em prever o que pode acontecer.
Valoriza-se antes a tendência para o improviso, para o deixa andar, tomando
como virtuosa a indigna arte do desenrascanço (que palavra horrível). Esta
cultura do descuido é como Deus, está em toda a parte mas não se vê. Só se
torna visível quando acontecem coisas como as da estrada de Borba.
A histeria da comunicação social, com os seus rituais de
caça ao culpado, oculta de imediato este traço da nossa cultura. O resultado é
terrível. Punem-se os culpados, quando se punem, e espera-se por novo desastre,
pois continuamos, em todas as esferas da vida, a odiar a organização, o
trabalho meticuloso e a adorar a arte medíocre do deixar andar. Sim, precisamos
de encontrar os culpados, mas também precisamos de mudar a forma como estamos
na vida, pois o objectivo não é andar a pôr pessoas atrás das grades, mas
evitar, pelo trabalho organizado e meticuloso, que as tragédias se dêem. Não
precisamos de culpados, mas de pessoas vivas. Para isso temos de mudar a nossa
triste e vil cultura do desenrascanço.
[Crónica publicada em A Barca, de Dezembro de 2018]
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.