sábado, 8 de dezembro de 2018

O drama dos partidos de poder


A crise em que se arrasta o principal partido da oposição, o PSD, é sintomática da natureza dos partidos de poder em Portugal. São fortes e sólidos quando estão no poder; são frágeis e à beira da desagregação quando a governação lhes foge. Também nisto, o PSD e o PS são partidos irmãos. Quando estão no poder, a distribuição de lugares serena os ímpetos dos barões, sossega os ardores das bases e aquieta os rompantes dos caciques locais, aqueles que, na verdade, mantêm o partido vivo nos piores momentos.

Enquanto esteve no poder com Passos Coelho, o PSD dava a imagem de um partido pronto para todos os combates, falava com voz tonitruante e dava a ideia de ser uma espécie de dono político do país. Por seu lado, o PS vivia em guerra civil, que conduziu ao homicídio político de António José Seguro, o que não foi suficiente para António Costa ganhar as eleições. O que perdeu o PSD e salvou o PS foi a aritmética esquerda – direita, a qual, pela primeira vez, gerou um governo, ainda por cima estável. No entanto, não nos devemos iludir. Nem o PSD está à beira do fim, nem o PS está sólido e saudável. O que se passa é que o PSD está fora do poder e o PS, dentro. Basta que a ocupação do poder mude, para que o drama que atinge o PSD seja transferido para o PS.

Isto diz muito da natureza destes dois partidos, os quais nunca tiveram princípios ideológicos reais. O PSD, um partido do centro-direita e da direita, adoptou, por oportunismo político, uma designação de esquerda (sim, a social-democracia é de esquerda). Por seu lado, o PS, contrariamente aos seus irmãos estrangeiros, não tem qualquer ligação ao movimento reformista das classes trabalhadoras. É uma organização assente nas profissões liberais, por vezes com laivos de jacobinismo oratório, sem um contacto real com as velhas tradições da social-democracia europeia. Em momentos mais exaltados fala em socialismo democrático, apenas como efeito retórico.

Os dois principais partidos portugueses são, deste modo, organizações cimentadas apenas pelo poder. O poder para PSD e PS não é um instrumento, mas o fim em si mesmo, adaptando-se à volubilidade do eleitorado, na ânsia de encontrar maiorias absolutas. Em caso de ausência dessa maioria, ambos recorrem a alianças que os mantenham no comando do país, para que bases, caciques e barões durmam tranquilos e, se possível, gratos. O facto dos dois principais partidos portugueses não possuírem, no seu núcleo, uma tradição política real, torna-os, dramaticamente, vulneráveis quando estão na oposição, e é um factor de fragilização da democracia portuguesa.

[A minha crónica no Jornal Torrejano]

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