A revolta dos coletes amarelos em França, aparentemente
espontânea, com um grau de contestação e de violência a fazer lembrar a velha
tradição francesa, merece ser observada com atenção, mesmo num sítio tão
turístico como Portugal. A questão que se coloca é se este processo será uma
idiossincrasia francesa ou se ele tem potencial para alastrar pela Europa,
pelo menos na Europa do Sul, onde nos situamos. Antes de se responder a esta
questão, é necessário tentar perceber o que está em jogo. A causa inicial do
protesto foi um imposto sobre o combustível em nome do combate às energias
poluentes. A esta motivação foi adicionada a da luta contra a perda de
rendimentos das classes médias francesas.
O apoio à contestação é um barómetro sobre as preocupações
ecológicas da população francesa. Parece que todos gostam muito do ambiente,
desde que isso não implique uma mudança do estilo de vida. Aliás, quanto mais dinheiro
se tiver, melhor se pode desfrutar de reservas onde o ambiente não está poluído.
E aqui liga-se a segunda parte das reivindicações, a perda de rendimentos das
classes médias. É possível que a defesa do ambiente seja compaginável com uma
crescente e radical concentração da riqueza em muito poucos e a consequente
pauperização de uma ampla parte da população. Limitar o direito e o poder de
poluir apenas a alguns, enquanto a maioria terá drasticamente diminuído o
tamanho da sua pegada ecológica. E é isto que, de certa maneira, parecem
significar as políticas de Macron.
Pôr em xeque o uso sem limites do automóvel – esse inultrapassável
fetiche das classes médias ocidentais – e degradar-lhe a qualidade de vida é
uma causa que, se adoptada noutros países, desencadeará o mesmo tipo de reacção,
ainda por cima com o exemplo que os franceses estão a dar. Seria o caso de Portugal,
onde o ambiente político parece pacífico e longe da contestação. Contudo, o
aumento do imposto sobre os combustíveis que o governo de António Costa fez
passar, há tempos, sem grandes dificuldades, neste momento seria impossível.
Não faltariam coletes amarelos a vociferar por aí.
Ora a situação portuguesa – e provavelmente de outros países
do Sul – é muito propícia a tentações de uma maior tributação. A contenção do défice, a dívida externa
e as reivindicações dos corpos da função pública, para além do combate à
degradação ambiental, são factores que geram uma necessidade acrescida de
receitas. Um passo em falso do actual ou do próximo governo, seja nos impostos
sobre combustíveis ou noutros com impacto nas classes médias, e a contestação
francesa transbordará para Portugal. Ou então uma situação inesperada, como uma
contestação generalizada do sector privado perante as exigências do sector
público, isto é, aquilo que seria uma revolta de contribuintes, a que não
falta já a sua pasionaria.
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