Franz Ehrlich, Azul y amarillo con un extremo blanco, 1930
No parapeito de uma janela baixa, um cão branco olha para o fundo da
rua, uma pobre viela, as orelhas dobradas para trás, numa pose de expectativa, como se não tivesse
a certeza de que aquilo que espera vá acontecer. É um cão de olhar inquisitivo,
tocado por um brilho que, por instantes, parece desvanecer-se e logo volta intenso e esperançoso. O sol bate nas paredes e ilumina o trabalho dos anos, as rugas nas
casas velhas, o esventramento dos muros, a humidade do empedrado que cobre,
incerto e cansado, a terra do chão, maculada pela água que a chuva da noite ali
depositou, como nos homens os acontecimentos depositam resíduos fluidos na memória.
Numa das paredes, um grafiti descreve, a negro, uma qualquer dor de alguém que
por ali passou. Numa das janelas, um vulto perscruta a rua, encosta a testa ao
vidro e deixa que a respiração o embacie. Depois, afasta a cabeça e com o dedo
desenha no vidro turvado um hieróglifo, e afasta-se para dentro de casa. O cão branco
continua alerta, enquanto outro, escuro e pequeno, vem sorrateiro, pára e fica,
sob a luz que lhe faz cintilar o pêlo, a olhar para o seu companheiro. Este nem
repara. Uma sombra desenha-se ao fundo. Então o cão branco arrebita as orelhas,
ladra, salta para a rua e corre em direcção a alguém que o chama, enquanto o
sol se reflecte no vidro dos candeeiros públicos e o cão preto prossegue em
silêncio o seu caminho.
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