Juan Botas, School, 1989
Esta entrevista no Público, à volta dos resultados de um inquérito sobre o estilo de vida dos adolescentes, é um repositório de lugares comuns, em consonância com as banalidades em que repousam as actuais políticas educativas. O momento culminante dá-se quando a entrevistada, a investigadora Margarida Gaspar de Matos, afirma: “Parece que o ensino está todo virado para a nota em vez de
para o conhecimento académico e das pessoas. E isto é uma escola muito
punitiva. É uma escola que existe para enfardar conhecimento e não para fazer
com que as pessoas desabrochem do ponto de vista da cultura e do conhecimento
do meio.”
Deixemos de lado o lirismo do desabrochar e a elegância de enfardar conhecimento. Onde é que este género de pensamento acha que os professores vão buscar as notas que dão? Não há, a não ser na imaginação destas pessoas, qualquer conflito entre nota e conhecimento académico. Quanto mais conhecimento académico os alunos adquirem melhores são as suas notas. Na verdade, o que está a ser dito - sem haver percepção disso - é que a escola é muito punitiva porque exige conhecimento académico aos alunos. Este falso dilema, que opõe classificação escolar e conhecimento académico, funciona, objectivamente, para ocultar o real problema que existe na escola e na sociedade. Curioso é que o inquérito mostra o problema, mas a ideologia não o deixa ver.
Vejamos os dados. Quase 30% dos alunos não gostam da escola. Quase 52% consideram-se maus alunos. Mais de 45% não pretende fazer estudos superiores. E, para completar a imagem, os dados referentes à relação dos alunos com os conteúdos curriculares: mais de 87% dos alunos julgam-nos excessivos; quase 85% classificam esses conteúdos como aborrecidos; 82% taxam as matérias como difíceis. O que isto mostra é a profunda desadequação dos adolescentes com as exigências do conhecimento académico. As notas são um bode expiatório de uma realidade que não se quer ver.
Há em Portugal - e, de forma impressionante, nas crianças e jovens em idade escolar - uma cultura adversa à aprendizagem e às exigências do conhecimento académico. Os governos - e este com especial requinte - e certo tipo de investigadores (ideologicamente orientados) atribuem todos os males ora à escola, ora aos professores. De preferência, a ambos. A verdade, porém, é que a cultura contra-académica dos alunos - a qual tem um forte suporte social - é o principal obstáculo ao prazer de aprender, ao desenvolvimento de competências académicas e à obtenção desse conhecimento académico, que a escola tem por missão fazer adquirir aos alunos.
Enquanto se negar esta realidade, a situação só vai piorar. A não ser que a escola se transforme num parque de diversões, os currículos sejam constituídos por irrelevâncias flexíveis, as classificações desapareçam e a prestação de provas (exames) seja abolida. Assim, a coisa não piora porque deixa de existir. Enquanto se fizer das notas um bode expiatório, o país não enfrentará um problema, o da cultura adversa à escolaridade, que existe desde há muito, mas que se tornou patente quando começou a ser exigido uma grau elevado de formação académica a toda a população. Podemos levar as notas ao altar e sacrificá-las aos deuses, mas isso não vai tornar os alunos mais conhecedores e mais capazes. Pelo contrário.
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