Reimundo Patiño - A Queda de Ícaro (1973)
Um texto novo a intercalar nos textos dos cadernos do esquecimento provenientes do meu antigo blogue averomundo.
É terrível a perfeição. Não me refiro àquela perfeição que resulta do
trabalho aturado e da desconfiança daquele que faz esse trabalho com o
resultado da sua produção. Essa resulta de um exercício céptico e de uma
descrença na virtude do próprio labor. Não, refiro-me à perfeição imaginada que
invade a vida de todos os dias, os planos de cada um e os projectos colectivos.
A perfeição imaginada é a mais fácil das perfeições e também a mais perigosa.
Imagina-se uma coisa e, nesse acto, infunde-se a crença de que tudo correrá
conforme os desejos. A nossa faculdade de desejar, porém, tem uma enorme
capacidade de se enganar e de espalhar o véu da ilusão sobre a realidade. Por
norma, a realidade não se converte ao desejo, resiste-lhe, vira-lhe as costas,
ri-se. A perfeição final vai-se transformando num sonho cada vez mais
longínquo, até que se torna em pesadelo vivo. Não há pior inimigo do que a
perfeição, esse projecto de cabeças ocas e vontades vazias.
O perfeccionismo é tão esquivo que ninguém o alcança, nem os perfeccionistas.
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Não apenas esquivo, também perigoso, muito perigoso, quando aplicado socialmente.
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