A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Não há estatuto social mais equívoco que o da classe média. Emergindo
do fundo da sociedade, a sua posição dá-lhe a ilusória certeza de que está mais
perto das classes altas do que dos baixios sociais de onde proveio. Logo na
primeira geração, tende a traçar uma fronteira intransponível com o mundo de onde
partiu. Isso reflecte-se na orientação eleitoral. Pacheco Pereira deu uma
particular atenção ao fenómeno, sublinhando as transferências de votos do PCP
para o PSD, nos tempos de Cavaco Silva.
As pessoas pertencentes à classe média – antiga ou nova – desconhecem,
porém, que a sua posição social é a mais precária de todas. Resulta, nas
sociedades contemporâneas, de uma concessão. Na Europa, esse estatuto cresceu
devido ao medo do comunismo. A criação de amplos estratos médios foi uma
estratégia de aliciamento das pessoas. Uma espécie de compra de consciências
para que, falhando o ardil da religião, a tentação revolucionária não
conduzisse largas massas a aceitar a retórica comunista e os ideais
igualitários. Agora que o perigo vermelho morreu, as classes médias são um
estorvo. Ganham demasiado e concentram em si dinheiro muito desejado por
aqueles que em tempos as fomentaram.
Uma das fontes de fabricação de classe média foi, tradicionalmente, a
universidade. Durante muitos anos, o ensino superior representou uma linha de
demarcação social importante. O estatuto social de advogados, médicos,
engenheiros, arquitectos, até de professores de liceu separava-os dessa linha
terrível abaixo da qual o status é se
não pouco recomendável, pelo menos olhado com desdém. Esse estatuto, porém, era
uma ficção. Os portugueses estão a descobrir isso. O saber está longe de ser um
poder. Hoje muitos engenheiros, professores, arquitectos, advogados – amanhã
serão os médicos -, etc. têm como horizonte o salário mínimo, por vezes menos.
Não só porque, intencionalmente, foram fabricados mais licenciados do que o necessário,
mas também porque o declínio das classes médias é muito mais irrevogável que a
palavra de Paulo Portas.
Nas próximas eleições europeias, iremos encontrar uma resposta a esta
decadência da classe média. Não em Portugal, pois tudo chega aqui com alguns
anos de atraso, mas por essa Europa fora. O ressentimento das classes médias em
vias de proletarização vai fazer crescer exponencialmente a extrema-direita. Em
desespero, com os laços cortados com a antiga condição social e com os partidos
de esquerda que as ajudaram a chegar ao seu estatuto, as classes médias
europeias preparam-se para, mais uma vez, vender a alma ao diabo.
A classe média, de que tanto se fala em tempo de crise ou de eleições, é (foi) um extracto social deveras curioso ao assumir com garbo o papel de verdadeiro guardião dos valores mais nobres da sociedade, a defesa intransigente dos interesses hegemónicos da classe alta.
ResponderEliminarSe não fosse ela, a classe baixa teria subido pelo elevador social -que horror- até aos apartamentos nos condomínios de luxo e aos carros topo de gama, para além dos restaurantes do guia Michelin e das compras no Club Gourmet.
Era hábito dizer-se com ironia, que a nossa classe média, não ia lá nem saia de cima, ou seja, passeava-se na quimera de trepar.
Entretanto, a situação mudou, porque, em primeiro lugar, ela é cada vez mais, menos média; em segundo lugar, tem cada vez mais, menos "classe" e em terceiro lugar, continua a não ir lá, mas passou para baixo, i. é, estrebucha no equívoco em que se afundou.
Bom fim-de-semana
Um abraço
As classes médias, por norma, sofrem de uma distorção perceptiva da sua situação real. Mais cedo ou mais tarde, a realidade desaba sobre elas. Nessa altura, ficam de boca aberta. A vida é o que é.
EliminarBom fim-de-semana
Abraço