sexta-feira, 9 de maio de 2014

Campanha eleitoral


A campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2015 começou no domingo com o anúncio ao país da chamada saída limpa de Portugal do resgate financeiro. Exibida como a coroa de glória da governação e oferecida como testemunho da capacidade daqueles que governam, não tardará a ser apresentada como penhor para solicitar os votos dos portugueses. Esta farsa esconde uma realidade tenebrosa.

Esconde que o ajustamento pouco teve a ver com o défice do Estado. Pelo contrário, a dívida hoje é muito superior à que existia em 2011. O ajustamento serviu para destruir um conjunto de direitos e de garantias da generalidade das pessoas. Teve ainda como finalidade começar a grande desarticulação dos serviços sociais (Saúde e Educação).

Esconde que este programa não era uma inevitabilidade. Haveria, como defenderam pelo menos dois prémios Nobel da Economia, outras formas mais eficazes e menos dolorosas de fazer o ajustamento e de enfrentar o problema do défice do Estado. Na verdade, o ajustamento português foi uma conspiração entre as elites políticas europeias para empobrecer as classes populares e destruir as classes médias. Foi uma enorme experiência social de destruição dos mecanismos comunitários.

Esconde que a saída limpa foi feita à custa de um aumento enorme de impostos, de uma diminuição drástica de salários e de pensões nos serviços do Estado e da destruição compulsiva de empresas e de empregos. Em conexão com isto, assistimos a um aumento exponencial da emigração, a qual atingiu níveis idênticos aos dos anos sessenta do século XX.

Esconde que este processo foi uma forma de transferência de rendimento das classes médias e populares para o clube dos ricos. Sem que o país tivesse visto desenvolver-se a sua capacidade produtiva, um pequeno grupo viu os seus rendimentos aumentar desmedidamente, enquanto a generalidade dos portugueses empobrecia.

Esconde que nada daquilo que é inútil no aparelho do Estado foi mexido. A única despesa cortada foi a de salários e de pensões, mas toda a estrutura burocrática – produto do famoso jobs for the boys – manteve-se incólume. A chamada reforma do Estado não reformou coisa nenhuma, não mexeu nos interesses que o colonizam e sugam os recursos da comunidade.

A partir de agora, a campanha eleitoral vai endurecer. É provável que, até às eleições, nada de muito essencial seja mexido, mas uma nova vitória em 2015 da actual maioria abrirá caminho para a destruição irreversível da componente social do Estado português. É isso que está em jogo.

6 comentários:

  1. A propaganda do «dividir para reinar» funcionou, separou gregos, italianos, franceses, espanhóis, cipriotas e portugueses, dizendo-lhes que uns eram melhores ou piores do que outros...cá também se pôs funcionários públicos contra privados, velhos contra novos, trabalhadores contra desempregados...o «ajustamento» não passou de uma colossal transferência de dinheiro dos mais pobres para os 2% mais ricos, tirar ao Zé-Ninguém para oferecer à Banca. De repente está tudo bem para quem arquitectou o plano. E tudo mal para quem o sofreu. EStas eleições europeias têm de dar uma colossal volta para a Esquerda; recordo-me ainda do mapa dos assentos no Parlamento Europeu nas últimas eleições. EStavam praticamente todos cinzentos, ocupados pelas Direitas mais perigosas dos últimos anos. Deu no que deu. Combate.

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    1. A coligação governamental perderá estas eleições, mas terá muitas hipóteses de ganhar as legislativas. Aos olhos do eleitorado, não há alternativas credíveis; apenas voto de protesto. Vai haver muito voto de protesto, à esquerda e à direita - na direita mais extremada e nacionalista -, mas a situação está bloqueada.

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  2. Eu acho que a coisa é ainda pior que isso. Tudo o que se passou serviu apenas para os bancos estrangeiros se livrarem da dívida pública portuguesa, para os especuladores financeiros ganharem umas massas à conta de juros altos, e para pouco mais.

    Num momento de colapso de políticas europeias anti-especulação, avançaram os três da vida airada, BCE, CE e FMI. À pála disso, um bando de ignorantes, fundamentalistas, estúpidos, aproveitaram para pôr em prática as fantasias idiotas que tinham na cabeça (e, acho que sem perceberem bem como, quase escaqueiraram o Estado Social, por exemplo).

    Agora os especuladores deixaram de ter terreno fértil por aqui, Draghi arreganhou-lhes os dentes, e a Europa está farta destas trapalhadas da troika que só dão maus resultados e por isso toda a gente bate em retirada. Saída limpa porque os outros já estão fartos disto até aos cabelos.

    Acho que a história é isto, uma coisa pífia, uma coisa na prática quase sem história. Pelo meio destruiram tudo em que mexeram, sem propósito, apenas porque são burros e porque há uns quantos que lhes agradecem e eles, limitados como são, convencem-se que estão a fazer bem.

    Visto com algum distanciamento e se nos conseguirmos abstrair dos tremendos danos colaterais, tudo isto quase poderia ser um filme cómico.

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    1. Sim, isso é verdade, mas os danos colaterais foram desejados. A minha tese é mesmo essa: o que estava em jogo era mesmo aquilo que parecia lateral, o resto serviu de legitimação. Mas a coisa não vai parar por aqui. É só aguardar pelo desenrolar do drama.

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  3. Depois deste período, previamente programado, levado à pratica por gente formatada e de módica competência (excepção feita a esse personagem sinistro de nome Gaspar), a campanha eleitoral não passa de um simples detalhe marginal, no processo de continuidade que nos espera, após as outras eleições, as legislativas.

    Abraço

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    1. Estamos em claro período de involução na continuidade.

      Abraço

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