Igor Palmin - Old Tallinn, Estonia (1983)
O grande vencedor da jornada eleitoral de ontem foi o ex-bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto. A sua eleição releva algumas linhas de força da situação política actual, as quais merecem atenção. Vale a pena salientar dois pontos.
Em primeiro lugar, esta eleição indica a grande erosão das partidos tradicionais e a emergência, em Portugal, de fenómenos políticos de grande intensidade gerados pela situação de pós-democracia em que vivemos. O facto de a democracia se ter tornado virtual, pois os eleitores estão convencidos de que a possibilidade de políticas verdadeiramente alternativas deixou de existir, abre o caminho para o voto em personagens estranhas ao fenómeno político, embora com presença mediática. É um voto refúgio gerado no desconsolo e num protesto que não se quer comprometer. É um voto pós-moderno numa pós-democracia. Mas este é apenas um lado da questão. Há outro e mais interessante.
A eleição de Marinho e Pinto é sintoma de que o país começa a ficar maduro para outra coisa. Não partilho da ideia propalada de que Marinho e Pinto seja um populista. Tem formação jurídica e política sólida, conhece bem os mecanismos do Estado de direito e parece-me prezar autenticamente os mecanismo democráticos. No entanto, há no estilo pessoal algo que surge aos olhos do público como sendo de natureza justicialista. Não é que ele o seja, mas tem, pelo discurso e pela forma como exprime esse discurso, essa aparência. Ora a sua eleição mostra que começa a haver mercado para gente mais truculenta. Não sendo Marinho e Pinto propriamente um populista, a sua eleição é o signo de que em Portugal começam a estar reunidas condições para a emergência de populismos de direita radical. A natureza invertebrada do voto pós-moderno em Marinho e Pinto pode ser apenas o prelúdio de uma metamorfose nos afectos do eleitorado. E se as coisas forem por aí, não será a faceta Marinho e Pinto racional e estruturada juridicamente que os eleitores procurarão, mas a faceta do verbo fácil e da palavra cortante, aquela que diz as verdades como quem crava punhais. Alguma coisa mudou no panorama político português.
«...não será a faceta Marinho e Pinto racional e estruturada juridicamente que os eleitores procurarão, mas a faceta do verbo fácil e da palavra cortante, aquela que diz as verdades como quem crava punhais. Alguma coisa mudou no panorama político português.»
ResponderEliminarPois é, mas Jerónimo de Sousa também diz as verdades tais como são e, no entanto, foi preterido por este senhor que, na minha opinião, é populista, sim, vaidoso e arrogante-o que Jerónimo de Sousa não é--e apela a uma tal famigerada «vida» e a uma «terra» significando «planeta» mas que ninguém sabe bem o que é. Claro que o seu artigo está, como sempre, bem escrito e chama a atenção para o fenómeno, mas tenho tenho uma visão muito mais sombria (isto pareceria muito mais seu, Jorge Carreira Maia) sobre o fenómeno. As velhotas que o abralçaram são as mesmas que abraçavam Paulo Portas e Jerónimo de Sousa, por vezes....Estou sinceramente em crer, que, tal como Fernando Nobre, este senhor está a ser usado por potestades malignas...Não aprecio a truculência, prefiro a veemência sincera de Tsiripas...Acredito sinceramente que estes votos vieram ajudar a Direita mais tenebrosa e nunca a Esquerda. Continuarei depois...
O meu texto não pretende julgar o fenómeno Marinho e Pinto em si mesmo. Se ele for o fruto de uma conspiração da direita do poder para roubar votos ao PS e à esquerda, a coisa não é assim tão tenebrosa. Seria apenas estratégia política. Aquilo que valorizo, porém, é o acolhimento deste tipo de personagem. E isso é muito mais importante, do ponto de vista político, do que a hipotética conspiração ou o facto dele roubar votos à esquerda. Os votos não são de ninguém, são de quem os apanhar. O que me interessa é a disponibilidade dos eleitores para o fenómeno. Porquê? Isso é sintoma de quê? O resto, confesso, que não me interessa. Em política vale tudo para alcançar e manter o poder. E é a partir daqui que olho o fenómeno. O tenebroso não está em Marinho e Pinto, mas na disponibilidade de acolhimento deste tipo de coisas pelo eleitorado. Acho.
EliminarMantenho sempre alguma prudência quando estou perante algo que se apresenta com "pós-qualquer coisa".
ResponderEliminarÉ o caso de Marinho e Pinto, que não diabolizo, mas que me suscita muitas interrogações.
Vou esperar para ver.
Um abraço
Também não diabolizo o ex-bastonário. Creio até que ele é, politicamente, equilibrado. O problema para mim está no eleitorado que anda há procura de qualquer coisa, qualquer coisa que pode ser pouco equilibrada e saudável.
EliminarAbraço
Entendo o que diz...Contudo, para mim o tenebroso habita os dois lados, o do eleitor á procura de algo diferente e o do candidato que aproveita a ocasião.Marinho e Pinto chegou a apelar à abstenção e subitamente surge como cabeça de lista por um partido vago, de vagos valores e vago programa, tipo direita verde com monárquicos á mistura e já se fala até de uma possível candidatura a Belém. O fenómeno é biunívoco. Também me arrepio um pouco com o «pos qualquer coisa»...Há muita gente ainda apolitizada --e não é apenas cá--e que anseia por algo de diferente, talvez mesmo um «seja o que for» e isso é muito, muito perigoso. A resposta do porquê desse anseio é clara: insatisfação com o status quo do bipartidarismo, a crise, enfim, a miséria a que temos anadado votados.
ResponderEliminarTudo isto é sinal de que o mundo tal como o vimos e o vivemos está em ruínas e uma outra coisa está em gestação. Quanto aos "pós", não se trata de se ser contra ou a favor. Trata-se de eles estarem aí. Reconhecê-los não significa estar de acordo com eles ou sequer em desacordo, significa apenas reconhecer que a história não pára e vai devorando os seus próprios produtos.
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