Uma das experiências mais marcantes destes três últimos anos foi a do peso da voz do poder. Não podemos dizer que as liberdades foram aniquiladas, que a pluralidade de expressão desapareceu, que não existiu contraditório. Não, todos os mecanismo formais da liberdade de expressão estiveram e estão activos, não existiu nem existe censura, houve e há uma razoável oportunidade para escutar as oposições. No entanto, o poder teve a capacidade e o talento para impor uma interpretação da realidade e fazê-la surgir aos olhos das pessoas como sendo verdadeira. Uma verdade incómoda e dolorosa, mas uma verdade. Como é que a falsificação da realidade conseguiu ser imposta como a verdade? Como é que o mais árido dos desertos é apresentado e aceite como um oásis?
Havia e há, por parte dos receptores, uma predisposição para aceitar a mensagem do governo. Ela é simples e vai ao encontro do senso comum. Resume-se à ideia de que se estava a gastar acima das nossas possibilidades, o que contraria as regras da economia doméstica que o senso comum de qualquer cidadão entende. Depois, os discursos alternativos eram plurais. E esta pluralidade chocou com o monolitismo do governo e dos seus apoiantes. Além de plurais, esses discursos eram complexos. Pouca gente tem capacidade para reconhecer a complexidade dos contra-argumentos ou para desconfiar do carácter enganador do senso comum. Por fim, a voz do governo teve um conjunto muito amplo e fiel de amplificadores na comunicação social e nos blogues.
Tudo isto, contudo, não é suficiente para perceber como é que um discurso falacioso sobre a realidade teve poder para se impor como verdade. A razão reside no facto de ele estar escorado no poder. No poder político e no poder económico. Apesar da atitude maldizente dos portugueses relativamente aos políticos e aos ricos, existe neles uma clara sacralização do poder. No íntimo, veneram os ricos e santificam a palavra dos políticos, se estes possuem poder. Foi esta sacralização dos poderes - tanto mais vistos como sagrados quanto mais são verberados da boca para fora - que permitiu que o discurso do poder se tornasse aceitável, que o deserto fosse visto como um oásis, e que a voz do poder fosse a voz da verdade.
Ao talento do poder junta-se a "simplicidade" confrangedora da maioria dos cidadãos e esse é o caldo ideal para aplicar a receita da mistificação através propaganda, política e não só.
ResponderEliminarUm abarço
Sim, também os cidadãos se contentam com explicações simples. Não me admira mesmo nada que o governo veja validado nas urnas o serviço prestado.
EliminarAbraço