Buenaventura Aumatell Tarradellas - Utopia da liberdade (1987)
Recuperação
de textos do meu antigo blogue averomundo,
retirado de circulação. Este texto pertence a uma série denominada cadernos do esquecimento. Texto de 09.12.2009.
O desafio. Ser racional e desconfiar da razão. Viver racionalmente na
conduta social e privadamente descobrir os limites dessa racionalidade. Será a
razão filha da política? Resultará essa faculdade do exercício do cálculo na
relação com o outro e da necessidade de agir segundo a justa medida? Será ela
um produto da praxis? A tradição ocidental pensou o homem como animal racional.
Nietzsche pensou-o como uma ponte entre o animal e o sobre-homem. Mas se o
homem é uma ponte, que coisa nele fará com que seja essa ponte. Não a
condição animal, pois essa é uma das margens. Resta a conclusão: a razão é uma
ponte. As pontes ligam o aquém e o além. O aquém da razão todos
conhecemos, são os afectos, as emoções, as pulsões. Mas o que será o além da
razão? O que será a sobre-razão? Para além da ponte está a não ponte. A
sobre-razão só pode ser uma não-razão. Qual o território dessa
não-razão? A infra-razão, o aquém da razão, tem por território a
necessidade natural, físico-biológica, a razão habita o território da necessidade
social, pois não é ela a filha da praxis política? À sobre-razão resta-lhe
um estranho território, o da liberdade. Onde cessam as
necessidades naturais e a sociais, começa o país da liberdade. A razão
ainda é uma prisão para aquele que se quer aventurar nessa estranha pátria. Não
basta, para ser livre, desconstruir as estratégias do corpo como pensou
Platão e a tradição ocidental com ele. Não basta opor a razão ao corpo, o
espírito à matéria. Não basta sequer perorar contra os dualismos, cartesianos ou
outros. O corpo encerra a razão, a razão encerra a liberdade. A sobre-razão
talvez seja a faculdade de abandonar ambos os cativeiros. Mas como será
possível uma sobre-crítica dessa sobre-razão que lhe assinale os direitos e os
limites? Talvez o território da liberdade não tenha limites e o que penetra
nele esteja liberto de direitos e de deveres.
Como não sou dado à Filosofia, tenho dificuldade em entender o homem como uma ponte, sobretudo se essa ponte é a razão.
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Em última análise, somos sempre uma ponte entre aqueles que nos antecederam e aqueles que vêm depois de nós. Mas talvez a espécie seja uma ponte entre o que lhe deu origem e aquilo que, um dia, poderá vir depois dela.
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