Este último artigo sobre o 25 de Abril visa o depois, não a história
que sucedeu nos últimos quarenta anos, mas o depois que está em marcha neste
momento. Podemos começar com um problema: o rumo do país ainda se insere no 25
de Abril? Se olharmos as comemorações deste ano, descobrimos duas respostas. A
ausência dos capitães de Abril das comemorações oficiais diz-nos que não. O
facto de o primeiro-ministro ter usado, nessas comemorações, um cravo vermelho
na lapela diz-nos que sim.
O dia 25 de Abril representa, na verdade, uma abertura do país a
múltiplos caminhos. O actual – a construção de uma sociedade liberal – fazia
parte desses caminhos. Por muito que não se goste, ele ainda é um florescimento
do 25 de Abril e inscreve-se nas possibilidades então abertas. As opções
políticas tomadas são legítimas, pois foram sufragadas pelos eleitores e são
controladas institucionalmente e pela opinião pública. Resultam da liberdade de
escolha que o 25 de Abril instituiu, de forma ampla e séria, pela primeira vez
em Portugal. Negar isto pode ser consolador, mas substitui o exercício da razão
pelo ressentimento.
Este tipo de negação prende as pessoas a um conflito ilusório entre as
políticas actuais e aquilo que imaginam que foi – ou deveria ter sido – o
caminho do país. Esse passado real ou ideal acabou. Está morto. Essas
possibilidades abertas pelo 25 de Abril estão consumadas e encerradas. Há que
olhar para as possibilidades que se abrem a partir da realidade que vivemos e
não daquela que gostaríamos de viver. Isto significa que não há alternativas às
actuais políticas? Não, significa antes que é preciso pensar novos caminhos,
caminhos que entrelacem a crescente liberalização das sociedades e os processos
de equilíbrio social e de solidariedade interclassista e intergeracional.
Significa ainda que precisamos de aprender uma nova e mais exigente
atitude onde se inscreve a vertente competitiva e a vertente solidária.
Precisamos de pensar a sociedade como um conjunto de redes de indivíduos
autónomos, mas ligados entre si. Precisamos de compreender os limites da
intervenção do Estado nos processos de solidariedade e descobrir novas formas
de a instituir. O novo caminho que Portugal está a seguir – uma das portas que
Abril abriu – pode ser amaldiçoado, podemos sentir traição nele, mas nada disso
é essencial. O importante é pensar e agir para, nestas novas circunstâncias,
tornar a sociedade portuguesa, ao mesmo tempo, mais competitiva e mais justa.
Isso dá que pensar, o que nem sempre gostamos de fazer. Mas poder fazê-lo foi
outra das portas que Abril abriu.
É evidente que as portas e as janelas que Abril abriu, jamais se fecharão porque isso é uma impossibilidade física, quando muito vão ficando mais estreitas.
ResponderEliminarMuitos sonharam o depois de Abril de maneiras diferentes e, reconheço, que grande parte ainda não interiorizou a decepção que se substituiu ao sonho. Pela ilusão nos vamos...
Bom-fim-de-semana
Abraço
Esse é um dos problemas, ainda não se ter interiorizado que a festa acabou há muito. Outros problemas pedem a nossa energia e o nosso pensamento.
EliminarBom fim-de-semana,
Abraço
Bem, pelo rumo que seguem as actuais políticas ultra-neoliberalizantes de tudo, não, não foi este o umbral por que o 25 de Abril passou. Esse era o umbral da liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, paz, pão, habitação, uma vida digna para todos. Este caminho que as elites dominantes estão a tomar é o caminho que deveria ter ficado cortado em Abril. O espírito dessa Festa ainda ilumina muita gente, não morreu. O que é bom nunca morre, fica apenas por vezes e por muito tempo obliterado pelo Mal. O que é o caso. Neste 25 de Abril assistimos a um país dividido, de um lado a corrente dominante no Parlamento, fingindo cravos e cante alentejano, do outro milhares de pessoas que estiveram com os militares de Abril no Largo do Carmo. Não nos deixemos abater, urge combater, agora cada vez mais, esta corrente dominante dos 1% subjugando os 99%. Demasiado simplista? Não, é apenas isso. Combate.
ResponderEliminarAqui temos uma divergência de fundo relativamente ao 25 de Abril. Para mim, ele continha possibilidades múltiplas e contraditórias. O próprio MFA era assim. Ele continha mesmo a possibilidade de retornar ao 24 de Abril. Os sentidos atribuídos ao 25 de Abril pouco têm a ver com ele, mas com o combate entre as partes. Neste momento, a direita está a reivindicá-lo também para ela, no que tem também a sua razão. Esta direita é filha do 25 de Abril e da liberdade. Foi isso que a esquerda não quis perceber e, por isso, se tornou incapaz de perceber o fenómeno e se fragilizou.
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