Henri-Cartier Bresson - Gestapo Informer, Dassau, Germany (1945)
Ao ver esta fotografia, qualquer coisa em mim tremeu. É uma fotografia
de 1945, tirada na Alemanha. O título, não sei se provirá do autor, o fotógrafo
Cartier-Bresson, “Informadora da Gestapo, Dassau, Alemanha” introduz-nos, de
imediato, num drama de vivido por milhões de homens e mulheres. Consta que “o
fotógrafo captou o momento em que uma mulher reconheceu a sua delatora, que
está a ser interrogada, e avança para a agredir perante o olhar de outros
ex-prisioneiros”.
A minha perplexidade centrou-se numa pergunta que de imediato me
acudiu ao espírito: onde está o mal? Num primeiro momento, tudo é simples. A
delatora, aquela que estava do lado dos algozes nazis, representa o mal. Toda
uma narrativa didáctica se poderia tirar dali: a delação não compensa, chegou o
momento da vítima fazer justiça perante os olhos, por vezes irónicos, das
outras vítimas. Tudo se expia e aquela mulher, que tinha enviado outros seres
humanos para o sofrimento e a morte, tinha encontrado a sua hora de expiação.
O problema é que eu não sei quem é ali a vítima. Por vezes, chegam-me
imagens do Portugal de 74, parecidas com estas. Arrepio-me com a simplicidade
com que na altura eu olhava para os acontecimentos. Onde estavam as vítimas?
Não quero com isto dizer que os sicários nazis e os delatores não fossem culpados,
sumamente culpados. Eram-no. Não quero dizer que, em Portugal, o regime
ditatorial e os seus homens não fossem culpados. Eram-no. Mas na altura em que
perdem, tornam-se tão indefesos como o eram aqueles a quem eles perseguiram,
maltrataram e assassinaram.
Esta fotografia não me fala da prisão de uma abjecta colaboracionista,
nem do exercício de uma qualquer justiça, metafísica ou popular. Fala-me do
horror de estar em minoria, do horror que é perder. Fala-me do horror da
humanidade, daquela que está do lado moral e historicamente mau, mas também
daquela que por vezes está do lado bom. A fotografia fala do horror da
vingança, fala da tristeza e da pequenez que habita a nossa humanidade, fala da
vergonha que deveríamos todos sem excepção ter, e que não temos. Olho a
fotografia e pergunto, onde está o mal. O mal está em todo o lado e cuida de
nós. (averomundo, 2007/04/10)