Não consegui encontrar a data de criação deste fado cantado
por Carlos Ramos. Também não sei se a capa apresentada pertence à gravação
original. Descobri apenas que ela diz respeito a um disco de 1964, um EP com o título Mas sou fadista. Carlos Ramos
faz parte de um trio de vozes masculinas interessantes, que deviam estar
no auge na altura em que nasci, em meados dos anos cinquenta. Para além de
Ramos, refiro-me a Max e a Alfredo Marceneiro. Isto é uma cultura popular que
me é radicalmente estranha. Este Não Venhas Tarde é
um retrato social do país que então éramos. Não me refiro à infidelidade, pois
essa é, como o amor, eterna. Refiro-me ao tipo de relação homem mulher
subjacente ao texto. O homem cindido entre o puro amor e o desejo erótico, cada
um deles representado por um tipo de mulher, como se a sua coincidência numa
única fosse impossível. Esta ideologia – a da mulher pura, esposa e mãe, e a
outra, a dos prazeres eróticos – era também subjacente ao regime político
que se vivia na altura. Eros é um deus brincalhão de humor instável, o que não
se coadunava com a imagem que o solitário presidente do Conselho gostava de
vender para consumo público. Não estou a dizer que foi o regime que a produziu.
Diria até o contrário: é este tipo de ideologia social que acaba por permitir e
mesmo requerer o tipo de regime que se vivia então. Dito isto, repito, Carlos Ramos
tinha uma voz assinalável.
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