domingo, 8 de janeiro de 2017

Mário Soares

Júlio Pomar - Mário Soares (Presidente) (1992)

Em 1974 e 1975, eu não era propriamente um admirador do dr. Mário Soares. Com a idiotice inerente à minha idade, com as ilusões sobre a humanidade e o devir do mundo, com a profunda ignorância da política e da vida, eu militava pela revolução socialista, arvorava a bandeira do esquerdismo radical. Julgava que o socialismo, mas aquele socialismo puro e duro e verdadeiro, seria não só o futuro como a salvação do mundo. Não era nem uma coisa nem outra. De certa maneira, o dr. Mário Soares, a quem nunca vi pessoalmente, salvou-me de mim mesmo, ao contribuir de forma decisiva para o fim de um período onde essas ilusões floresciam. E poderiam ter crescido de tal maneira – Kissinger chegou a pensar que não seria mau que este pobre país se tornasse numa Albânia, para servir de vacina – que era real a possibilidade de o destino fazer com que o meu desejo de então se tornasse realidade. Mário Soares é o principal responsável – não o único, saliente-se – para que os meus sonhos de então, e os de uma parte substancial dessa juventude um pouco tresloucada e ébria de liberdade dos anos 70, não se tivessem tornado num enorme pesadelo, mesmo para aqueles que acalentavam tais sonhos. Quando percebi isso, e não demorei muito tempo a perceber, tornei-me um admirador de Soares.

Descobri, posteriormente, que a minha visão do mundo, conforme a formação ia crescendo e consolidando-se, tinha muitos pontos em comum com a do fundador do Partido Socialista. Em primeiro lugar, a questão da liberdade. Esta é a questão decisiva. Não impor a ninguém as próprias crenças e não ser incomodado por aquelas que se possui. Isto significa respeitar os outros, respeitar mesmo aquilo que se considera profundamente errado, desde que esse erro não elimine a liberdade e os direitos de terceiros. Este respeito é o fundamento da tolerância. E a tolerância foi uma das principais virtudes de Mário Soares. Não perseguiu as figuras do antigo regime, como não perseguiu, posto fim aos devaneios de 74 e 75, aqueles a quem derrotou. Tentou – e na verdade conseguiu – reconciliar os portugueses uns com os outros, mesmo que ele, Mário Soares, seja o bode expiatório onde uma franja, pequena mas activa, da população concentra o ódio, um ódio motivado ou pelo paraíso perdido ou pelo paraíso não conquistado. A sua eleição para Presidente da República foi fundamental para esse fim. Se, por acaso, Freitas do Amaral tem ganho, essa reconciliação teria sido impossível, não pelo carácter do fundador do CDS, mas pela falta de reconhecimento político por uma parte do país. Soares contribuiu não apenas para a liberdade, mas também para um clima de tolerância que ainda hoje vigora.

Há um terceiro aspecto em que me aproximei, desde os anos 70, da visão de Mário Soares. A necessidade do equilíbrio. As sociedades precisam de um certo equilíbrio político e social. Foi a procura desse equilíbrio que levou Soares a enfrentar, em 1975, a deriva esquerdizante da revolução. Foi esse equilíbrio que procurou nas suas presidências. Foi a procura desse equilíbrio que o levou a confrontar o anterior governo e o início da destruição do Estado social patrocinada por Passos Coelho e Paulo Portas sob o véu da intervenção da troika. Nem sempre as sociedades podem ser governadas pelo ideal do equilíbrio político e social, mas isso não significa que não nos devamos bater até ao fim pela busca desse meio termo aristotélico, onde se encontra aquilo a que os gregos chamavam a justa medida. Mário Soares foi, para além de um lutador pela liberdade e pela tolerância, um combatente pela justa medida, pelo equilíbrio, pelo reconhecimento de que todos devem ter um lugar na sociedade. Foi com esta arquitectura que ele construiu o resto. Errou? Claro, não era, e nem pretendia ser, um deus. Contudo, no que era essencial nunca se enganou.

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