A minha crónica no Jornal Torrejano.
Será um mistério aquilo que faz com que uns sejam
indiferentes à leitura e outros tenham nela uma fonte inesgotável de prazer. Talvez
o prazer de ler tenha uma componente genética. Não faço ideia, mas é possível.
No entanto, pode também resultar da deusa fortuna, da sorte de encontrar
autores que despertem esse prazer quando se é muito novo. Se olhar para a minha
história pessoal, descubro dois autores que tiveram uma importância fundamental
na génese do meu gosto da leitura. Enid Blyton e Arthur Conan Doyle. Não, não
comecei a ler precocemente os grandes clássicos do romance ou da poesia, muito
menos os de filosofia. Na verdade, sou mais serôdio do que precoce. Deixo Enid
Blyton para outra altura e volto-me para o médico escocês Arthur Conan Doyle,
político meio falhado e espírita militante até ao fim da vida. O que lhe devo?
Devo-lhe, assim como milhões de outros leitores, o ter
criado essa personagem fantástica que dá pelo nome de Sherlock Holmes. Devo-lhe
ainda o prazer de ver a subtileza social britânica encenada nas relações entre
Holmes e o dr. Watson. Descobrir as aventuras do singular detective na
adolescência não significou apenas ter encontrada uma fonte de entretenimento,
mas a abertura de mundos que estavam muito para além da pacata vida numa
pequena vila de província de um país periférico, como era – e ainda é,
infelizmente – Portugal. Os livros de Conan Doyle contribuíram mais para a
formação do meu espírito, para a atracção pela filosofia e o respeito pela
ciência, do que todos os professores que tive antes de chegar à universidade.
As aventuras de Sherlock Holmes, com o apreço dado à subtileza
lógica e a atenção prestada ao papel da ciência na resolução dos mistérios
criminais, não representaram apenas uma espécie de propedêutica ao amor do
saber. Foram também uma escada de acesso à literatura e ao prazer de ler. Ler
sem poder parar é uma experiência que nem todos têm e que nem todos os autores
sabem proporcionar. Tive-a, embora não fosse já novidade, com os policiais de
Conan Doyle. A partir dos seus livros descobri outros autores policiais e
iniciei-me na grande literatura universal. Há muito tempo que não o leio, mas
julgo que um dias destes voltarei a ele. Quem não as conhece – ou as conhece
apenas de séries ou de filmes – não perderá tempo se pegar nas aventuras de
Sherlock Holmes.
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