Ben Nicholson - Hielo - casi azul (1960)
A luz amarela dá uma tonalidade dourada às paredes brancas e cai
desamparada pelo chão onde é acolhida por enormes lajes brancas e vermelhas,
dispostos em mosaico. Um hall grande e inóspito, também de paredes brancas, com
barra púrpura, abre-se, lateralmente, para o corredor. Na parede em frente das
portas escancaradas do vestíbulo há um espelho, emoldurado em mogno, onde se
reflecte o rosto de uma mulher, de cabelos castanhos, os ombros ocultos por um
vestido verde seco e um decote largo que revela, e logo dissimula, a curvatura
dos seios. Está parada, como se uma indecisão a tivesse tomado e a paralisasse,
na linha onde o corredor e o hall se juntam, uma fronteira bem delineada, o
símbolo que demarca o caminho que leva à rua, ao espaço público, e o que dá
acesso ao mundo familiar, no qual se dissimula a intimidade e os dramas, se não
a comédia, da vida privada. A mulher, vestida até aos pés, tem na mão esquerda
um cigarro que vai libertando o fumo que se evola em direcção ao tecto. O
espelho deixa ver um rosto ainda belo, mas já marcado pela idade. Nele
insinua-se o cansaço da noite, anunciando que a beleza não é eterna. Atrás
dela, caminhando em sentido contrário, um homem, vestido com um longo sobretudo
cinzento, segura debaixo do braço direito uma pasta de couro. Dirige-se para a
rua. Os cabelos grisalhos deixam perceber que é mais velho do que a mulher. As
costas encurvadas menos pela idade do que pelas preocupações que afloram no
rosto, onde uma barba branca e rasa acentua a sensação de velhice, parecem
suportar um peso excessivo para qualquer ser humano. Ao cruzarem-se, olham-se e
trocam um cumprimento rápido, quase imperceptível. Ela continua estática, fascinada
pelo espelho, mas não é certo que seja o seu reflexo que ali vê. Ouve-se uma
porta, a da rua, bater, sem violência, enquanto a cinza se desprende do cigarro
e cai desamparada no chão. Ela move um pé, mas fica onde está. A luz vinda do
corredor banha-a e projecta-lhe a sombra na madeira escura da porta. Lá fora,
ouve-se o ruído de um carro posto a trabalhar e, de imediato, o deslizar suave
das rodas no asfalto. O silêncio voltou à casa e ela leva o cigarro à boca sem
deixar de fitar o espelho.
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